terça-feira, 24 de dezembro de 2024

A tempo, feliz...

Que seja natal se você acordar sorrindo,

que seja natal se acordar com preguiça,

que o seja se você resolver dormir o dia inteiro;

que seja natal em família, com amigos,

e principalmente para quem estiver só.

 

Presentes trocados, abraços apertados, sorrisos...

que seja festa se você puder fazer alguém feliz

e não importa a forma que usar para isso,

a felicidade é um direito de todos nós

e ainda há tempo parar distribuirmos a felicidade.

Sempre há, e sempre haverá...

 

Que seja natal no seu sorriso,

na sua declaração de amor,

mesmo que escondida em uma frase mais simples....

com ou sem presentes

com ou sem comemorações,

escolha as pessoas de que gosta,

ou apenas uma se for o caso;

escolha também pessoas de quem não gosta,

e envie a elas o presente mais simples,

uma singela e curta frase de natal: - seja feliz!

 

Que seja natal

e que você

seja feliz!

sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

O que é a vida e o não viver

Talvez só compreendamos a vida ao pensar o não viver…

A vida é quando você abraça, é quando você sorri, porque quer e precisa, ou porque belamente sabe que o outro precisa. Quando você compreende o não viver sabe que a pessoa não vai esta ali para sempre, um dia não poderá mais abraçá-la, ou sorrir para ela. E isso não pode ser impedido ou mudado. Quando há alguém a quem abraçar, para quem sorrir, você escolhe entre a vida e o não viver.

No velório do meu pai meu irmão reclamou que só tinha uma amiga, porque todo o círculo de pessoas com quem convive não foi vê-lo. Eles escolheram o não viver. Mas ele, ao continuar perto deles, também o escolhe todos os dias.

No mesmo dia, pela manhã, quando recebi a notícia, informei a uma pessoa querida, que estava ao meu lado. Ela me disse uma coisa de trabalho, falou que não gosta de cemitérios. Não sorriu. Não me deu um abraço. Não ofereceu companhia. Se fosse o contrário eu teria feito todas essas coisas e muitas outras. Eu teria escolhido a vida diante de alguém que escolheu o não viver.

Amigos ficaram comigo. Me levaram para comer. Pagaram para mim. Por cuidado, por atenção. Isso é escolher a vida. Porque eu vou sempre me lembrar com gratidão de suas presenças.

Minha melhor amiga se casou (não sei se ocupo mais esse lugar na vida dela, ela ocupa na minha). Fiquei sabendo no grupo do trabalho. Mas nem soube onde era. Era no cartório, num dia qualquer da semana. Parecia não importar. Bem, para o não viver nada importa. Só sei que mesmo se não me deixassem entrar eu ficaria do lado de fora, sei lá, do outro lado da rua, só para dar um abraço nela naquele momento. Ou se ela não me quisesse ali naquele momento era só dizer que eu olharia de longe, só para vê-la sair feliz. Eu não gosto do não viver, me sinto enjaulado quando me empurram para fora da vida.

Eu desfiz a minha companhia de teatro reclamando que as pessoas não me viam como um ser humano. Disse a elas o que precisavam perguntar uns aos outros, talvez seja óbvio que isso me incluísse. Ninguém perguntou. Ninguém me deu um abraço diante da perda que tanto me machucou. Todo mundo não viveu, nada foi feito. Tudo acabou.

Hoje uma bola gira no meu peito, bem abaixo da traqueia, me fazendo tossir infinitamente. Me dizem o tempo todo que eu tenho que aprender a lidar com os sentimentos, que preciso me ajustar à realidade das pessoas. Somos humanos, somos seres de grupo, de contato e companheirismo, o agir junto é o que nos fez dominar o planeta. Quando todos olham apenas para o retângulo entre os dois polegares não há muito o que se possa fazer. Só posso mudar até onde as minhas mãos alcançam, a partir dali eu preciso das mãos do outro, se elas não estão lá, não há nada o que eu possa fazer, porque só existe o não viver.

E como não vivemos sozinhos, quando deixados de lado, nos é negada a vida e imposto o não viver.

Do que adianta ser lido esse texto quando eu não estiver mais aqui? Para mim, não serve para nada. Não terei tido a vida. Talvez o leitor aprenda a abandonar o não viver. Um pouco cruel isso, deixar quem nos convida à vida morrer solitário no não viver, só para depois de sua partida querermos vida só para nós.

Sejamos sinceros, homenagens póstumas não servem de porra nenhuma. Bem, não vou morrer hoje, não que eu saiba. Essa tosse não vai me matar.

Se eu fosse citar todos os exemplos que tenho esse texto seria comprido demais. A madrugada seria pequena e eu veria o sol nascer e ferir os meus olhos sensíveis à luz.

Tudo bem se você não me convidou para ir à sua casa e nunca vai mesmo convidar. Tudo bem se não leu meu texto, o mais importante da minha vida. Tudo bem se não faz ideia de como eu me sinto porque não se interessa. Tudo bem se não vai me abraçar quando eu sofrer novamente (e vai acontecer). Tudo bem se não sabe por que eu criei o que criei e nunca vai me perguntar o motivo. Tudo bem se só me mandam descansar quando eu estou caído, mas nunca vão impedir que eu caia. Tudo bem se me joga para deus para se desresponsabilizar de fazer o que pode enquanto ser humano. Tudo bem se não tem tempo de vida para passar ao meu lado, mesmo que eu peça muito pouco. Tudo bem se todas as pessoas que eu conheço escolheram o não viver. Só não me peçam para me ajustar a isso, esse conselho eu não aceito.

Ah, e por favor, nada de: conheça novas pessoas. Só diga: não te quero tão perto. É mais honesto.

É uma pena que a maioria das pessoas só enxergue a vida quando percebe o não viver, quando vê que não dá mais tempo, que o tempo se foi. Vivemos uns nos outros, e quando escolhemos viver só em nós, não existe vida alguma, apenas um não viver egoísta e solitário que se enche de verdades e ensinamentos vãos.

Não quero que me ensinem a me ajustar ao não viver. Quero que me abracem e vivam perto de mim para que eu enxergue vida. Para que todos enxerguemos vida.

Provavelmente quem ler esse texto enquanto estou vivo (agora falo de vida biológica) sabe que eu tenho um blog. Andei chato, convidando sempre as pessoas para a leitura. Mas vou publicar nele e não avisar ninguém e, infelizmente, saber que ninguém o lerá. Porque ninguém se importa em saber se escrevi. Na verdade todos sabem, porque sempre escrevo. Só não se importam em ir lá ver o que foi escrito, ou em me perguntar.

E quando lerem, se lerem, dirão: que texto lindo, me emocionei... e coisas assim. Eu não sei quantas centenas de textos já escrevi e foram lidos. Não sei quantas centenas de elogios (aos textos) já recebi. Mas sei que quando escrevro, coisas como: você está bem? Foram, sei lá, menos de dez vezes nos últimos trinta anos escrevendo continuamente. Coisas como: posso fazer alguma coisa por você? Quer companhia? Ah, essas não tem como contar, nunca aconteceram.

É estranho pensar que coisas simples como uma frase, que são de suma importância para mim, nunca serão ditas, mesmo eu dizendo que quero que sejam. O máximo que eu tenho é uma tentativa de me mostrarem que estou errado em querer ouvi-las. Que devo me ajustar. Não aceito o não viver, não perca seu tempo tentando me ensinar, nunca vou aceitar.

Vou sempre querer a vida, ainda que a vida me seja negada por todos à minha volta.

Prefiro a dor constante de uma vida que falta, que a conformidade mórbida de aceitar o não viver.

Tudo vai acabar. Todos irão partir. E você vai sentir falta. Porque é só isso que o não viver te dá, ausência. Se você olhar para trás já vai encontrar diversos momentos em que poderia ter estado lá, com alguém, por alguém. Vai se arrepender de muitas coisas não ditas, ou às vezes mal ditas. Vai lamentar não ter chegado perto. Vai sentir saudades do último abraço que nunca aconteceu.

O último abraço só acontece se você abraçar todos os dias, porque você jamais saberá quando vai ser o último dia...

Escolha a vida, o não viver torna vazios os corações. E um coração vazio não entende o significado de sermos todos um único ser.

Eu estou aqui, pena que você não vai me ler se eu não te pedir (e talvez nem assim). Pena que me ler não muda quem eu sou para você.

Eu não sou as milhares de coisas que escrevi. Eu sou aquele que as escreveu sozinho...

sábado, 19 de outubro de 2024

Achei que eu era o vento no alto de uma montanha

a soprar belezas ao mundo em uma sinfonia desconexa.

Descobri que sou a chuva,

que todos querem que pare para não incomodar.

 

Achei que eu era poesia, cheio de palavras infinitas,

mas descobri que sou um tolo que escreve poemas para fingir não sofrer.

Aquela sensação no peito e atrás dos olhos fica escondida,

e vazio, fico só ao lado de mim mesmo me fazendo pouca companhia.

 

Até aqui acreditei estar vivo e pleno de criação

mas me percebi estático diante de um espelho quebrado

me vendo nas fissuras que rasgam o meu coração

 

escondido, esquecido, enfraquecido e dilacerado

deixando apenas lama ao parar de chover,

deixando apenas tempo ao esquecer de existir...

quinta-feira, 17 de outubro de 2024

quando os escritores choram

Só há uma coisa capaz de levar um escritor a chorar, é quando as palavras não existem mais... antes acreditávamos poder conquistar o mundo, mas sempre há aquele momento em que o mundo parece jogado para fora de si e as palavras, ah as palavras, ainda escorrem como lágrimas amargas sem força para mudar o tempo e torná-lo real, pois para onde vamos, existe apenas o imaginado momento em que o amor acontece.

Nós escritores ensinamos a nós mesmos que temos palavras capazes de mudar o mundo, de conhecer a verdade da vida, palavras o suficiente para arquitetar universos. Deslizamos na beleza do que acreditamos ser e, há sempre o dia em que percebemos que nossas palavras sequer são capazes de nos trazer um abraço confortável. Quando jovens, amamos a solidão que nos enche de palavras, mas com o tempo aprendemos que ela nos esvazia de vida.

Ah escritor, cujos versos possuem várias linhas e nem parecem poesia, escorrida de seu ser, acalentada em si mesmo por não ter um ombro para se encostar, por não ter uma mão para segurar a sua, ainda que por um pequeno momento. Não há olhos nos olhos, não há sorrisos sem motivos, não há mimos, não há delicadeza nas almas; pois tudo o que existe é um tempo quebrado em que a poesia se dissipou de nossas almas.

Acorda-me com uma flor. Me faz dormir com um beijo na face. Caminha ao meu lado, ouvindo os meus passos. Respira o mesmo ar que eu. Canta comigo uma canção, ainda que mal cantada. Toma um chá ao meu lado ao nascer do sol. Dança comigo, mesmo que não saibamos dançar. Lê meus poemas, ainda que tristes. Repete filmes comigo para não precisarmos prestar atenção na história e podermos fofocar. Leva-me ali, só para me levar a algum lugar...

Seca minhas lágrimas se as vir, ou escuta as minhas palavras, que talvez seja o mais perto das lágrimas que possas chegar. Ouve o meu silêncio, muito mais do que as minhas palavras, porque é apenas no silêncio que consegue bater o coração de um escritor. Porque quando escrevemos estamos mortos, sendo poeira de palavras, caminho para histórias que precisam ser contadas. Vivemos apenas se pudermos amar.

Ouve comigo uma canção melancólica e escuta os meus olhos quando olharem para o nada, mergulhando em meu coração imenso e cheio do caos da criação. Leva-me ao teu lado, ainda que eu esteja chato, silencioso ou falante demais. Me convida para tua casa ou para os lugares que mais gosta. Me apresenta seus desejos e suas paixões, porque se eu não sei viver, talvez queira assistir-te enquanto vive.

Secamos as lágrimas que nunca caíram com os dedos batendo nas teclas ou deslisando sobre o papel. E quando o peito se torna pequeno o papel fica áspero e as teclas duras demais. E sempre acreditamos que esta é a última vez em que a solidão vai nos derrubar. E sempre estamos enganados porque vocês, do outro lado, amam a vida que não temos e se esquecem de ler os nossos gritos sufocados embaixo do que nunca será dito por nós.

Nunca seremos a melhor companhia, somos escritores. Nunca seremos os mais belos. Nunca seremos os mais ricos. Nunca seremos os mais interessantes. Não roubamos beijos, não sabemos conquistar, não conseguimos, muitas vezes, sequer causar boas impressões. Porque somos impressos em palavras, quase sempre esquecidas e diluídas no meio de tanta loucura brilhante e atraente espalhada nesse mundo louco.

Dá-me um caderno, de preferência sem linhas para que as palavras fiquem soltas. Lê para mim um poema ou me pede para ler para você. Ou só copia um versinho e me manda como mensagem, sem motivo, só porque o poema existe e eu também. E porque te lembras de mim. Se te lembrares. Me conta o teu cheiro, para isso me deixa chegar perto. Depois escuta as palavras que o teu cheiro meu causou.

Eu mostro os meus poemas a quem quiser ler. Eu envio os meus roteiros pelos quatro cantos. Escrevo teorias que quero espalhar pelo mundo. Minhas palavras são jogadas ao vento para não serem minhas nem por um instante. Mas se vistes as minhas lágrimas, aquelas que saem dos olhos não em forma de palavras, acredita, eras o universo inteiro para mim naquele momento. E eu não soube te dizer isso.

Me abraça após ler esse poema, ou dize-me que me ama, mesmo que seja mentira. Escritores são bobos e acreditam em palavras. Janta comigo na minha velha casa, que nem é minha. Acende uma vela cheirosa e vou acreditar que o paraíso existe. Mesmo que te vás logo em seguida, sou bobo, não sei a diferença entre a eternidade e um único momento. Então, dá-me momentos, ainda que pequenos demais.

Sou tão fugaz quanto uma lágrima solitária que corre e desaparece sem ser vista. Fugaz como uma palavra pensada sem ser dita ou escrita. Meu fogo não precisa queimar por bilhares de anos, não sou um sol; meu fogo só precisa queimar ao lado ao teu por um único instante, porque sou palavra, menor que uma respiração. Sente meu peito respirar fundo, escuta meu olhar que mira o chão. Olha-me como se eu existisse.

Só há uma coisa capaz de levar um escritor a chorar. É quando ele percebe que tem palavras demais e nenhuma vida. Mas estupidamente talvez chore em palavras, como faço agora. Costumamos precisar de dezenas ou centenas de páginas para dizer: ajuda-me. O que certamente não será compreendido porque nos sufocamos de palavras e histórias e nos tornamos uma sombra ofuscada de vida inerte e ilusão contínua.

Mas escritores não são eternos? Ora, se pensarmos que já estamos mortos, não há como morrermos mais uma vez. Talvez por isso as palavras possam cortar o tempo e não sucumbir à eternidade, porque já sucumbiu o escritor. Não quero a eternidade, dá-me apenas um minuto de amor, ainda que de mentira; dá-me um abraço, um beijo, uma flor... dá-me uma palavra apenas, que te darei a minha vida inteira.

A solidão me esvazia. As palavras me preenchem. A eternidade rouba a minha vida. A poesia tenta manter-me vivo. E já não há mais o que ser escrito, mas meu coração pede que eu não pare, para que ele não precise escutar-se bater e saber que não será ouvido. Olha-me, estou aqui. Pequeno suspiro de poesia onde o mundo não alcança. Mas é preciso manter viva a esperança, ainda que sobre as carcaças invisíveis dos escritores esquecidos.

Desculpa-me por um poema tão melancólico. Não estou a pedir-te nada, apenas me enganei e me permiti pensar que seria ouvido. A felicidade de um escritor é assim, feita de pequenos momentos de ilusão construída. Talvez eu seja humano se retirar as camadas de palavras. Mas elas não saem. Acho que é hora de encerrar esse momento e voltar à companhia do delicado e feroz silêncio da solidão...

domingo, 6 de outubro de 2024

À Deriva

Então ele... desata as cordas e recolhe as velas

deixando que o ar não seja mais capturado

no velho dorso das velas cansadas

levemente rasgadas de enfrentar furacões

e continuamente mover o pequeno barco

ao contínuo encontro de ondas ferozes.

 

Um pescador cansado parou de arremessar a linha

que aprendeu a jogar ainda garoto

para se conectar com a vida que girava à sua volta

vida que nunca quis olhar sobre o barco feio

de madeira antiga e pintura não muito aprimorada.

 

Ele pescou muitos olhos, muitos sorrisos, muitos abraços,

pescou amores e paixões, amigos e companheiros

mas sempre se sentiu sobre o barco

protegido, ou isolado, onde linhas nunca foram jogadas...

 

hoje ele veleja só, sem ser empurrado pelo vento,

com ombros doloridos para ainda lançar linhas

abatido, nunca requisitado como amigo, apenas como pescador.

 

Nunca notado, nunca lembrado, ele ergueu-se sobre o velho barco, ao pôr do sol

viu pararem as ondas e o oceano tornou-se melancolia...

 

e verso a verso o pescador de palavras se recolheu à solidão.

quinta-feira, 26 de setembro de 2024

Fugaz

Assim como o tempo desembarca em nós e nos faz passar

as palavras que eu tenho, por muitas vezes desencontradas de si

me mostram que o tempo é uma ferramenta de nós mesmos

cheio de imperfeições, adequado ao que flui

antiquado ao que se estagna na essência resignada

que fere almas com o furor de não se viver

em busca apenas de contemplar-se diante de um tempo frágil

banal e de pequena eternidade.

 

Velejamos na areia do destino rodeados de certezas

armados com o nosso medo do que não controlamos

isso porque achamos que a areia é o calmo mar ao nosso comando

isso porque acreditamos que estamos velejando

mesmo quando parados de pés fincados em chão de rocha dura.

E nele, sabemos tudo o que pudemos aprender

vendo nossos pés parados, estagnados,

amados assim, armados de correntes de areia em um mundo morto.

 

Logo ao início desse tempo eu vi que a vida era infinita,

abracei-me à sua insanidade e descobri

que insana era a minha vontade de ser dono de mim

e assim, aliado ao fluxo desordenado da luz que se dobra ao tempo

pisei sobre as palavras e deslizei para fora do monte de areia.

 

O tempo que passa não passa se passamos com ele

mas passa vertiginosamente se lutamos contra sua inevitabilidade

que nos deixa a saudade do movimento que nunca aconteceu

e parados, amamos o ponto perdido para onde nunca paramos de olhar

e de procurar o caminho,

mas não há caminhos quando não existe movimento.

 

Eu não subtraio-me do tempo com as minhas palavras,

eu me agrego a ele, passando-me como fugaz que sou,

tão fugaz como o não existir, tão real como o nunca visto,

tão perto como o não tocado, tão vivo como o que já se foi.

Alheio à missão do tempo eu não sou velho, novo,

ou coisa alguma, já que passei de mim a mim mesmo

e ouço a canção da vida

tão silenciosa que jamais será ouvida, ou esquecida.

 

Tudo passa.

Tudo torna-se poeira do tempo.

A vida só existe porque desmanchamo-nos em existência.

sábado, 21 de setembro de 2024

Estranheza

Um homem pobre

numa casa velha

num bairro feio

artista por profissão

sozinho por estranheza

uma fala confusa

uma mente partilhada em milhões

o mundo o deixando de fora de tudo

poemas que ninguém lê

verdades nunca acreditadas

abraços nunca colhidos

amores nunca amados

porque tudo lhe é estranheza

em um mundo tão superficial

cheio de rótulos e beleza anormal

animal

surreal

literal

e simples demais aos olhos da poesia

que cintila sozinha sob meus dedos

vazia de significados

perdida da beleza

em um mundo quebrado

sem poesia de fato

caminhando sob a mentira do belo

embelezado pela casca que apodrece

e adormece

no colo da desilusão

sem mão na mão

sem rosto no rosto

sem boca na boca

sem vida na vida

no tempo que transpassa a carne

não carimbada com o falso selo

de pureza humana

que de humana

só tem o selo feito de metal de frio

jogado sob o fio

da aventura de se esquecer

que a estranheza

se faz da beleza do descobrir

o que nunca se viu

ou se cheirou

ou se sentiu

por não saber que poderia ser sentido

em ar perdido

contido

na caixa da ilusão

nas palavras ao lado

do vinho que já passou da conta

mas a garrafa não vai ser guardada

desamparada

como se desampara um coração

que detesta a ilusão

porque ilusão não se ama

tudo acaba

menos os sorrisos que se gravam para sempre

menos os momentos inesquecíveis

nunca guardados

porque foram respirados

a um

a dois

ao lado do ar inesquecível

do amor encontrado

ou criado

ou retratado em poesia

sem mentira

sem versos

apenas uma vadia porção de universo

jogada sobre nossas cabeças

para que se esqueça

daquele que um dia

te mostrou a estranheza

de sua estranha melancolia

travestida em poesia

travestida na alegria de se escrever

porque nunca escrevi para salvar o mundo

apenas para me manter vivo

diante do crivo cruel

da certeza programada

por isso esquecido

recolhido

falo de beleza

e cheiro a estranheza

do cheiro meu

que nunca foi conhecido

perdido no perto demais

que ninguém quer conhecer

por estranhar meus fragmentos de mim

sempre assim

como um fim que se aborda

apontando-se à escuridão

de uma alma estraçalhada

pintada

de tudo que não aconteceu

e eu tinha tanto a dizer

mas não há quem queira ouvir

eu tenho

mas é dizer sem poema

é dizer com a minha voz

com meu jeito confuso de nunca acertar as palavras

não quando existe um destino

que se esconde dos meus olhos

frágeis e de pouca destreza

e me resta a estranheza

de não ser ninguém

e apenas além

de mim e do que nunca farei

escreverei

o que de fato nunca existiu

porque um poeta apaixonado

é um poeta abandonado

ao som das palavras que nunca foram ditas

e me recolho no meu pequeno eu

cansado

marcado

como peça quebrada

descartada

desinteressada aos olhos de toda a gente

gente que sente

que sou estranheza

sem nenhuma beleza

apenas poesia

que guia

que fia

a pequena verdade de mim

que não fui

que não disse

que fracassei

ao lado apenas

do que nunca existirá

pequena gota de orvalho

Já me disseram que sou forte como uma rocha,

intenso como um trovão;

mas nunca fui nenhuma dessas coisas,

sou volátil como uma gota de orvalho

que desaparece ao menor sinal da luz do sol.

 

A rocha fica sempre no mesmo lugar, sendo a mesma rocha

o trovão é apenas um barulho do raio que já se foi;

a gota de orvalho estará sempre lá,

cada dia em um lugar, de uma forma,

nunca repetida, nunca completamente desaparecida.

 

Sou como a gota de orvalho

que existe e deixa de existir todos os dias

e em seu vai e vem, torna-se eterna

na efemeridade de se refazer constantemente

e nunca ser a mesma, porque uma é todas.

 

Somos vários aqui dentro

um poeta que quer dançar ao invés de escrever,

um roteirista que flutua entre personagens sem rosto,

um escritor sério que planeja as palavras do futuro

ou moço do palco que quer ser visto, ouvido e compreendido,

o menino apaixonado que parece nunca envelhecer

jogando consigo mesmo para ser o motivo da existência de todos;

porque todos somos um, perdido na multidão de nós mesmos.

 

Eu existo por pouco tempo

amanhã serei outro

genial, louco, ou cheio de timidez

eu nunca sei dizer quem virá

porque o que me faz ser eu mesmo

é a incerteza

criada pelos fragmentos do que existe dentro de mim.

Piacere: poeta

Quello che sono che a stato perduto a molto tempo

ora svegliate, o prova a svegliarti

il poeta, il scrittore

tutti loro a lungo addormentato…

perché io non sapeva qui non esiste una bestia

ma diverse

tutti addormentati

aspettando che il poeta si svegli.

Ma non è una bestia distruttore

e sì, creatore

tutte le emozioni ribollono nel mio petto

e permettetemi di sentire tutto ciò che esiste nel mondo.

 

Svegliare il poeta sveglia tutti gli scrittori e mi riporta in vita

uno scrittore ama? Gridare?  Hai paura? Ti senti arrabbiato?

Non lo so.

Lo so solamente che uno scrittore scrive

le sue passioni, le sue verità, le sue storie

come se l'eternità esistesse solo in un bacio, in una parola, in un personaggio che nasce.

Amo la mia verità

amo i miei personaggi

ti amo

i scriverò sur tutto

perché sono fatto di emozioni e parole.

sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Unne carte D'amour

Je t’aime mon amour,

mais je ne sais pas pourquoi, ni si il seras pour toujours,

quand même comme celui a apparu

en mon corps, dans ma tête ;

c’est un frénétique mouvement sur ma peau

et le blanche de tes mots

me prennent dans la pensée que m’arrête.

Je bois un vin avec l’orange

j’avais oubliée comme était ce sentiment étrange

qui a envahi mo cœur silencieusement

e a resté jusqu’à à ce moment

comme une étoile fervent e brillant

sur le point d'exploser en mots

dans un poème mal donnée

écrire en une langue étrangère.

Qui c’est qui je peux faire ?

je suis un poète

je sais seulement écrire

ce que me dit

mon cœur, ou une amie.

Le jeu d'aimer,

le plaisir d'écrire,

pour moi, ils semblent la même chose ;

à moins que je sois un menteur,

un écrivain sans sentiments,

ou un homme amoureux

faire semblant d’être un poète…

 

Ps: me mandaram escrever uma carta de amor, marmoteei um poema em francês...

bolso

Um homem morto pode jogar cartas

a menos que elas estejam no bolso escondidas

não para trapaças,

mas porque ele não quer vencer.  

 

Você está do outro lado da mesa

com seu sorriso puxado

seus olhos atentos

sua voz que carrega todas as suas emoções

e eu... aqui desse lado, cheio de cartas no bolso

que nunca serão jogadas sobre a mesa

para que eu perca o jogo

antes mesmo dele começar.

 

Já possuí palavras demais

que mesmo ao irem embora, continuam aqui

atormentando os meus pensamentos e me escondendo em uma caverna de poesia onde o tempo esqueceu de passar e eu nunca aprendi quem eu realmente sou.

Talvez seja tarde demais.

Sempre é tarde demais para quem se perde do tempo.

Eu não posso arriscar o seu tempo ao lado do meu

pois eu sei que o instante e o eterno, para mim, são a mesma coisa.

 

O efêmero dura para sempre na minha mente

a dor é indelével, o amor inexplicável

cheio de nuances confusas e labirintos indecifráveis

e o fim,

ah o fim nunca chega assim como o início nunca acaba.

E eu sei compreender tudo como um velho,

mas posso amar como um garoto

e esse inferno parece um paraíso feito de ilusão

que não pode ser sonhada

já que a vida real não existe.

 

A alma precisa de coisas tão simples,

a mente de tramas tão complicadas

mas a minha mente transpassa minha alma e busca de complicar as coisas simples

e a alma invade a mente e simplifica seus labirintos,

mas os deixa sem saída.

Eu estou perdido, mas sei exatamente onde estou,

porque o lugar é pequeno demais.

 

A mente sabe como jogar as cartas

a alma quer que elas sejam jogadas

a poesia me ensinou os movimentos certos

o tempo confuso deixou as cartas intactas à decomposição

o universo as perfuma como se todas as constelações brilhassem em um único sorriso

eu as sinto, como um coração que bate forte demais para ser interrompido

e fraco demais para me fazer explodir em palavras de amor

e as cartas, é claro, guardadas no bolso

escondidas de mim,

mesmo eu sabendo exatamente onde estão.

 

Um jogador quebrado precisa de cartas

mas as teme por saber que elas perdem e ganham

já que quebrado, ele está perdido entre seus cacos

menor que uma velha carta sob o pé de uma mesa

usada apenas para parar o movimento errado.

 

E assim meus olhos olham o que não sabem ver

e minha mente constrói o que nunca existiu

e eu, jogador de outros tempos,

jogo fora minha euforia

para que meu tempo não sucumba o sorriso de ninguém.

quinta-feira, 19 de setembro de 2024

eu gostaria de dizer

 

Eu gostaria de dizer que fecho meus olhos para poder ver o seu sorriso,

mas não é preciso estar de olhos fechados

porque em tudo, mesmo no que se esconde de mim

mora a sua alegria que preenche as minhas palavras.

 

Eu gostaria de dizer que só sei ser feliz ao estar diante dos seus olhos,

mas seria irreal,

porque nenhuma distância ou tempo seria capaz de me fazer esquecer que você existe,

e existindo, você torna o mundo perfeito,

e não há como ser infeliz em um mundo com a sua perfeição.

 

Eu gostaria de dizer que preciso segurar as suas mãos todos os dias

para me guiar pelo caminho mais belo dos sonhos,

mas não é verdade,

já que um toque sutil e despretensioso apagou todos os caminhos não perfeitos

e agora, só sei flanar sobre a deliciosa lembrança

do universo que você criou em mim.

 

Eu gostaria de dizer que o amor é tudo o que importa,

mas simplesmente te olhar por um instante é maior do que todo amor do mundo

e, por isso,

talvez eu não diga nada,

talvez você nem exista e eu só esteja escrevendo um poema bobo,

ou talvez bobo seja acreditar que se trata de um poema.

 

Eu sempre quero dizer coisas demais

porque as palavras nunca bastarão para me explicar o seu cheiro,

o som da sua voz, a textura da sua pele;

palavras são apenas pegadas atrás de mim,

que quando ditas, tudo já existiu.

 

Eu gostaria de dizer que você existe.

Eu gostaria de dizer que acabei de escrever um exercício romântico.

Mas eu não digo nada.

Porque nada é real,

assim como nada é ilusão.

 

Eu gostaria de dizer que fecho os meus olhos para sentir o seu sabor,

mas não existe sabor quando tudo é perfeição.

sexta-feira, 13 de setembro de 2024

Sorriso errado

Com o tempo, tudo o que se passa nos constrói

e aprendemos a direção para onde olhar.

Olhar treinado, desviado de obstáculos confusos,

olhar atento, refinado; aprendido com o tempo...

 

Mas nem todo o tempo que existe

nos impediria de olhar para o sorriso errado.

 

Não importa saber que a direção foi perdida,

que a resposta está quebrada;

não adianta entender as nuances da genealogia dos erros

e contemplá-las em meu aporte de conhecimento.

O que é do mundo está quebrado,

trocado de lugar,

errado em estar em si,

mas certo em errar,

porque não é meu.

 

E nem toda palavra que eu escreva

me impediria de olhar para o sorriso errado.

 

Um homem de palavras

e coração cético

abraçado em ilusões de um mundo criativo em demasia para estar certo

corrige o seu olhar

mas não apaga o fato olhado, o fato ilusionado

o fato deslocado da direção

que nunca foi a certa

por uma mente incerta, desencontrada

do que está quebrado

em um sorriso errado

guardado

em um canto pequeno, delicado,

dilacerado de poeira guardada, acumulada

de olhares ajustados.

 

E nem todo ajuste que aconteça

me faria esquecer da ilusão de um sorriso errado.

 

Feito em poema

meu ser é sorridente, barulhento, palavreiro demais

guardado num canto, atrás de si mesmo

olhando de longe as estrelas,

que parecem sorrisos

intangíveis em sua essência prima

 

o tempo me tornou sábio,

mas não acima da criação que confunde a minha realidade.

segunda-feira, 12 de agosto de 2024

Soneto de papel

 Sonhei que o mundo era feito de papel

e que eu poderia imprimir nele todas as minhas palavras,

e sonhei que cada uma das palavras

faria do papel um novo lugar...

 

descobri que o mundo era feito de muros de pedras

onde não se pode escrever

e que as palavras, mesmo gritadas

paravam na pedra dura que não podiam transpassar.

 

Áspero demais para se escalar, forte demais para ser derrubado

contínuo, obscuro, feito para prender almas congeladas

de medo do que nunca lhes foi contado.

 

Sonhei que ao invés de muros existiriam palavras

rabisquei poemas com as unhas e

feri os meus dedos mais vezes do que posso contar...

quarta-feira, 22 de maio de 2024

Ode à felicidade

Do que vale a vida se você se alimentar de dias tristes?

Reparou as flores em seu caminho ou preferiu prestar atenção na buzina dos carros, nos barulhos, fumaça e motos apressadas no corredor?

Viu os pássaros voando pelo céu (e acredite, eles voam todos os dias) ou preferiu se ater ao lixo no chão que suja o seu caminho?

Gostou do caminho ou se prendeu ao cansaço de andar? O tempo gasto de um lugar ao outro não é gasto, é vivido. Se é vivido, pode ser aproveitado.

Por que se alimentar de dias tristes? Pensar neles infinita e repetidamente, sentir os sentimentos que eles lhe oferecem em detrimento dos seus. Como é a vida se vivida de forma árdua e sem alegria? Não é vida, é uma corrida para se esconder de si mesmo.

Tantos são aqueles que parecem bons e interessantes ao seu olhar treinado pelo mundo. Ricos, fortes, belos (uma beleza predeterminada pela mídia, é claro); pessoas que consomem, falam o que foram programados, vestem-se de etiquetas que demarcam seu poder de consumo, dirigem carros velozes, cuja velocidade máxima é inútil. Comem em lugares caros porque não sabem cozinhar. Acho que aprendemos a nos perder do que é verdadeiramente real, um chopp na feira sem compromisso, um amigo que paga mais da metade da conta só porque está ali, uma folga forçada no meio da tarde, um único pedaço de bolo que atravessou quinze quilômetros até você. Coisas comuns, de pessoas comuns, que parecem pequenas aos amantes do dinheiro. Pobres são eles que sofrem ao lado de pessoas de almas pobres e vazias de beleza.

Eu me lembro das flores brancas na frente da minha casa e não dos carros que passam correndo. Eu me lembro do cheiro das pessoas e não de quanto tinham na carteira (até porque poderiam não ter nada), eu me lembro dos sorrisos, e não do que vestiam... e dos meus dias mais terríveis, prefiro não me lembrar da dor, mas dos pássaros que vieram em um lugar impróprio a eles, mas vieram para me ajudar a desvendar o véu da arte do futuro. Vieram porque eu precisei que viessem, sem pedir nada, sem oferecer nada.

Títulos, posses, status, riqueza; de nada servem se meus dias não são plenamente felizes. E por plenamente eu afirmo que até os dias tristes têm a sua felicidade porque ali, na tristeza, sabemos quem somos e o que realmente vale apena.

Você trabalha demais para juntar dinheiro? Você faz o que não quer porque lhe parece preciso? Você se cerca de pessoas influentes? Que pena, eu trabalho muito, mas folgo muito, e amo o que faço. E só faço o que quero porque não há nada melhor que ser feliz todos os dias. Me cerco de amigos maravilhosos que não precisam influenciar ninguém. A tristeza, quando vem, é menor que a alegria da vida.

Ao acordar não temo o dia que virá, porque sei que ele virá repleto de maravilhas, pequenas, sutis e delicadas. Como a vida, tão delicada como um grão de poeira, mas é tudo o que move o universo.

Do que vale a vida se você se alimentar de dias tristes? Do que vale a vida se o seu cansaço for o pagamento pelo seu dia? Do que vale a vida se suas lágrimas forem a sua certeza? Do que vale a vida se o seu amor machuca?  Do que vale a vida se tudo o que você faz não te faz feliz?

O que é a vida fora da felicidade?

O que é uma vida cujo passar silencioso do tempo é tudo o que esperamos, para que ela passe rápido? Não é uma vida, claro. É um desperdiçar-se de si mesmo como migalhas deixadas em um caminho do qual a única lembrança é a escuridão.

E como queremos uma felicidade que nunca passe, mas aí está o segredo, o vai e vem da felicidade nos move e nos torna vivos e felizes. Claro que muitos ‘lugares’ oferecem descansos, retiros, renascimentos, tudo a 5 ou 7 mil por um final de semana. Ora, felicidade só para ricos? Ou quase ricos... isso não passaria de felicidade roubada e ela não faz feliz o ladrão.

A felicidade só existe se compartilhada, ainda que com uma única palavra ou um pequeno toque ou gesto.

A felicidade só acontece quando sabemos exatamente quem somos e, principalmente, quem não somos.

Ser feliz é não precisar ser feliz. É não buscar a felicidade em momentos de alívio, na loucura, nas festas infindas, nas compras imensas, nas fugas que são confundidas com viagens; e nos amigos que só estão ao nosso lado quando fugimos, pois também estão fugindo e só querem alimentar sua máquina de fuga.

Ser feliz é precisar de si mesmo, na essência sutil de cada dia. É estar ao lado de quem não nos oferece nada, porque não precisa oferecer, só a sua existência já nos basta.

Ser feliz é soltar as partes que foram acopladas a nós, mas não fazem parte do nosso eu, são apenas um fardo que nos prende para que não partamos com o vento.

Ser feliz é vencer o medo que nos afasta de nossa essência e, sem medo, nos jogar ao vento insano do precipício, onde a queda é o simples e puro movimento da vida. Afinal, chegamos ao chão no mesmo dia e no mesmo horário, não importa o caminho que tomemos. A escolha nos dá o direito de descer livres e com o vento no rosto, ou de descer arrastando e agarrados às pedras, com as mãos feridas e cheias de dor.

Fomos todos presos em jaulas de significado e regras. Temos muito medo de sair pois as jaulas parecem ser tudo o que existe. Mas, há algo interessante sobre isso: o medo acaba quando saímos.

Do que vale a vida se você se alimentar de dias tristes? Quando você tem a oportunidade de inundar-se de dias felizes.

Ame o frescor do tempo, respire a leveza da vida, abrace, sorria, caminhe ao lado, só faça o que te faz feliz, ame a todas as pessoas do mundo, mas só caminhe ao lado das que podem te amar. Crie. Cresça. Erre e aprenda feliz. Sonhe. Realize. Sinta o coração acelerar de paixão ao realizar. E só faça aquilo que o acelera. Escute a vida, ela canta o tempo todo uma bela canção. Respire o tempo, ele te preenche de vida. Troque a grandeza pela simplicidade, pois grande é aquele que precisa de pouco. Passeie ao lado de alguém, mesmo que sem motivo. Ouça os convites sutis e delicados. Abra os convites e olhe para a estrada à sua frente, que eles trazem. Segure uma mão, ainda que seja estranha ou pobre. Inspire o ar da vida e expire felicidade, que contagia. Inspire mais uma vez... e mais outra... e mais outra... e mais outra...

Há um presente dentro de você, que só cabe a você abrir, a felicidade.

Do que vale a vida sem a felicidade? Preciso rir se você achar que isso é algum tipo de vida. Se escolhemos viver, escolhemos ser felizes. Abrace-se. Ame-se. Viva-se.

Eu te desejo toda a felicidade do mundo. Não a tema. Ela é um direito seu.

terça-feira, 21 de maio de 2024

Apenas uma lição

 Muitas vezes ele disse que eu falava muito,

(que eu era muito ‘prosa’),

então, tome aí um poema em prosa... meu pai foi um homem pequeno, baixinho mesmo, magrinho, do tipo que dormia no meio do mato com animais perigosos, mas tinha medo de médico. Vai se entender. Na verdade era fácil compreender seu pensar e agir, eram bem simples e, até, limitados. Comia, bebia, dormia, vivia cada dia esperando o próximo e se lembrando do anterior. Contava muitas histórias sobre o que passou e não tinha muita criatividade para pensar o que viria. Me defenderia com a própria vida se eu tivesse precisado, nunca precisei, nem ele de mim nesse sentido, por sorte da vida nunca nos oferecemos essa proteção. Nem nunca nos oferecemos uma canção apesar dele cantar calango e eu nunca ter aprendido. Sempre se preocupou se eu estava ganhando dinheiro o suficiente e, quando eu não estava, nunca contei. Seu senso de humor era, digamos, expansivo demais; fazia piada com tudo e com todos, muitas vezes inoportunas... algumas pessoas vão dizer que, bem, eu herdei isso. Não posso negar que gosto de uma piada, mas posso negar que sejam inoportunas (mesmo que todos que conheço contestem isso). Um homem baixinho, trabalhador, meio confuso, às vezes bruto e insensível, mas sempre presente querendo dar presente se pudesse (inclusive fez questão de dar um presente à minha mãe na sua última semana). Acho que ele parou de entender o que eu falava e pensava, sei lá, quando eu tinha nove ou dez anos; se bem que ele não foi o único a passar por isso. Tentou me ensinar a fazer balaios de taquara (são cestos artesanais), mas eu nunca aprendi, minhas habilidades manuais são péssimas. Tentou me ensinar a trabalhar na roça, com a terra, mas eu nunca tive interesse em aprender. Nunca me ensinou a fazer o dever de casa, acho que não conseguiria, mas eu nunca pedi, nem a ele nem a ninguém. Não éramos muito de pedir ajuda, nisso acho que nos parecíamos bastante. Sempre teve orgulho do meu desempenho nos estudos, e quando passei para a universidade pública contou para o bairro inteiro, mesmo sem entender que curso eu fazia. Pode parecer que ele não poderia me ensinar muitas coisas; em sua defesa, quase ninguém pode mesmo, eu estou sempre correndo atrás de conhecimento e assumo que é difícil me acompanhar... mas há quem acompanhe... ah corridas, o velhinho magrelo que ganhava corridas morro acima aos sessenta anos. Nunca apostamos uma corrida, eu e ele, nunca apostamos nada, não disputávamos. Eu o compreendia, e isso bastava. Ele me aceitava sem compreender, e isso também bastava. Mas ele me ensinou uma coisa, usava muito uma frase quando eu era criança: “a palavra de um rei não volta atrás”. Bom, confesso que nunca fui a favor de reis ou absolutismos, sou feroz em defesa da liberdade e da queda das hierarquias. Mas a ideia de assumir o dito como compromisso quase sagrado me afeiçoava. Hoje, gostem ou não de mim, as pessoas sabem que eu cumpro a minha palavra. Eu cresci dando muita importância a isso. O que me faz não mentir, porque eu não preciso. Gosto de dizer que cresci em meio a homens e mulheres fortes, filhos de um homem forte, casado com uma mulher forte (ou, casado com a mulher bonita, como ele gostava de dizer). Há quem diga que devamos aceitar as limitações de nossos pais, que eles fazem por nós tudo o que podem fazer e nada mais. Eu vejo isso de uma forma diferente, acho que, de fato, ele me ensinou uma única lição: mantenha a sua palavra. Ele não pôde mais? Não vejo dessa forma, ele não precisou de mais. Bastou, era tudo o que eu precisava. Sou o homem que sempre quis ser, demorei, mas me tornei. Então, ele fez tudo o que precisava ser feito por mim (da parte dele), não precisei de mais nada, não faltou nada. Uma lição simples que marca a minha personalidade e faz parte de quem eu sou. E faz parte de tudo o que criei, porque nunca voltei atrás quando disse que criaria. Mas o tempo e a vida quiseram morder-lhe com força.  Não sei o que vieram cobrar e não tenho o direito de supor. Eu o vi ser derrubado com força. Eu o vi superar os maiores medos e pedir ajuda. Eu o vi ver a vida indo embora e sua preocupação era se cuidaríamos bem de nossa mãe. Eu o vi temer a morte como se ela fosse o seu mais feroz inimigo e, mesmo assim, dizer: venha, eu estou aqui. Ele preferiu batalhar a batalha que não poderia vencer ao invés de se assumir fraco. Eu faria exatamente a mesma coisa; acho que não nos parecemos só nas piadas. Você não perdeu a luta. A venceu por oitenta e três anos. Eu sou quem eu deveria ser. Meus irmãos estavam ao seu lado, com dedicação. Sua despedida estava cheia (e foram duas). Muitos se lembram do seu nome e se lembrarão por muito tempo. Se foram as cantigas, os balaios, as piadas... mas o que importa mesmo que é que tudo isso existiu. Agora é nosso turno, fica em paz e faça uma boa viagem. Como eu te disse poucas horas antes da sua partida: vai, pode ficar tranquilo, eu estou aqui... frase que te fez dormir. Agora durma o quanto precisar até acordar para a próxima vida. Quando acordar verá um mundo melhor; te dou a minha palavra.

Nem sei se isso é um poema ou uma crônica,

que se dane,

termino em versos, chamo de poema...

 

Boa viagem Jose Carlos de Oliveira (o Zito)... e obrigado por tudo.

quinta-feira, 28 de março de 2024

Jorge o balão

 Jorge o balão, estava preso ao chão

ele fechava os olhos todos os dias, quase o dia inteiro

e sonhava em voar pelas nuvens, ganhar o mundo, enfrentar as tempestades

conhecer os pássaros

ver o sol nascer e se por entre as gotas finas da vida

que ecoam pelos ares.

 

Mas Jorge o balão estava preso ao chão,

mesmo tendo muito ar dentro dele, que podia levá-lo ao infinito,

ainda assim ele ficava lá,

sem mesmo se arrastar,

apenas ficava e reclamava do chão duro

e de nunca ter voado.

 

Jorge o balão tinha coisas demais dentro de seu cesto

muitas caixas pesadas, cheias de memórias, certezas

pessoas, sentimentos...

elas pesavam demais para ele subir.

Mas as caixas estavam fechadas e Jorge o balão

nem podia compreender o seu conteúdo;

sempre estiveram ali, fechadas, nunca foi diferente.

 

‘Ano que vem as caixas vão se abrir’

‘um dia elas vão entender o meu sonho’

‘quando as caixas virem o quanto eu amor voar elas vão me deixar livre’

‘eu amo as caixas, as caixas me amam’

‘se eu contar para elas o meu sonho elas vão se emocionar’

‘um dia essas caixas vão sair e me deixar leve’

...

‘ou melhor, elas vão ser balão comigo...’

 

E assim Jorge o balão passava seus dias, quer dizer, anos,

sonhando e esperando o futuro que viria cheio de mudanças,

sem perceber que o balão é pequeno demais para caber nele o futuro,

que só existia lugar para o presente...

mas ele esperava no futuro estar no céu sobre as nuvens,

sem saber que nuvens se desfazem muito rápido

e só existem em um pequeno momento, o agora.

 

Mas Jorge o balão tinha uma esperança linda

e seus olhos brilhavam ao pensar em voar pelo mundo.

Os anos, é claro, caminham a passos contínuos

alimentados pelo tempo e suas manias,

a principal delas, a mania de passar...

 

Jorge o balão, como todo balão ao longo do tempo,

começou a perder um pouco de ar

e começou a murchar.

Mas ainda dava tempo de voar,

só que agora as caixas estavam mais pesadas

e amor de Jorge o balão por elas aumentara com o tempo,

afinal,

ele reclamou dela todos os dias

e tornou-as a coisa em que mais pensava,

mais do que eu seu próprio sonho de deslizar sobre as nuvens.

 

Mas Jorge o balão nunca desistiu de sonhar

mas Jorge o balão nunca jogou fora as caixas pesadas demais

sempre as esperou pular ou se transformar...

‘Jorge, esqueceram de te dizer que caixas não pulam, caixas são sempre caixas’

 

Jorge o balão está preso ao chão

murchando, chorando, esperando ao lado das caixas

que elas se tornem asas para levá-lo aos céus...