sábado, 21 de setembro de 2024

Estranheza

Um homem pobre

numa casa velha

num bairro feio

artista por profissão

sozinho por estranheza

uma fala confusa

uma mente partilhada em milhões

o mundo o deixando de fora de tudo

poemas que ninguém lê

verdades nunca acreditadas

abraços nunca colhidos

amores nunca amados

porque tudo lhe é estranheza

em um mundo tão superficial

cheio de rótulos e beleza anormal

animal

surreal

literal

e simples demais aos olhos da poesia

que cintila sozinha sob meus dedos

vazia de significados

perdida da beleza

em um mundo quebrado

sem poesia de fato

caminhando sob a mentira do belo

embelezado pela casca que apodrece

e adormece

no colo da desilusão

sem mão na mão

sem rosto no rosto

sem boca na boca

sem vida na vida

no tempo que transpassa a carne

não carimbada com o falso selo

de pureza humana

que de humana

só tem o selo feito de metal de frio

jogado sob o fio

da aventura de se esquecer

que a estranheza

se faz da beleza do descobrir

o que nunca se viu

ou se cheirou

ou se sentiu

por não saber que poderia ser sentido

em ar perdido

contido

na caixa da ilusão

nas palavras ao lado

do vinho que já passou da conta

mas a garrafa não vai ser guardada

desamparada

como se desampara um coração

que detesta a ilusão

porque ilusão não se ama

tudo acaba

menos os sorrisos que se gravam para sempre

menos os momentos inesquecíveis

nunca guardados

porque foram respirados

a um

a dois

ao lado do ar inesquecível

do amor encontrado

ou criado

ou retratado em poesia

sem mentira

sem versos

apenas uma vadia porção de universo

jogada sobre nossas cabeças

para que se esqueça

daquele que um dia

te mostrou a estranheza

de sua estranha melancolia

travestida em poesia

travestida na alegria de se escrever

porque nunca escrevi para salvar o mundo

apenas para me manter vivo

diante do crivo cruel

da certeza programada

por isso esquecido

recolhido

falo de beleza

e cheiro a estranheza

do cheiro meu

que nunca foi conhecido

perdido no perto demais

que ninguém quer conhecer

por estranhar meus fragmentos de mim

sempre assim

como um fim que se aborda

apontando-se à escuridão

de uma alma estraçalhada

pintada

de tudo que não aconteceu

e eu tinha tanto a dizer

mas não há quem queira ouvir

eu tenho

mas é dizer sem poema

é dizer com a minha voz

com meu jeito confuso de nunca acertar as palavras

não quando existe um destino

que se esconde dos meus olhos

frágeis e de pouca destreza

e me resta a estranheza

de não ser ninguém

e apenas além

de mim e do que nunca farei

escreverei

o que de fato nunca existiu

porque um poeta apaixonado

é um poeta abandonado

ao som das palavras que nunca foram ditas

e me recolho no meu pequeno eu

cansado

marcado

como peça quebrada

descartada

desinteressada aos olhos de toda a gente

gente que sente

que sou estranheza

sem nenhuma beleza

apenas poesia

que guia

que fia

a pequena verdade de mim

que não fui

que não disse

que fracassei

ao lado apenas

do que nunca existirá

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