Um homem pobre
numa casa velha
num bairro feio
artista por profissão
sozinho por estranheza
uma fala confusa
uma mente partilhada em milhões
o mundo o deixando de fora de
tudo
poemas que ninguém lê
verdades nunca acreditadas
abraços nunca colhidos
amores nunca amados
porque tudo lhe é estranheza
em um mundo tão superficial
cheio de rótulos e beleza anormal
animal
surreal
literal
e simples demais aos olhos da
poesia
que cintila sozinha sob meus dedos
vazia de significados
perdida da beleza
em um mundo quebrado
sem poesia de fato
caminhando sob a mentira do belo
embelezado pela casca que
apodrece
e adormece
no colo da desilusão
sem mão na mão
sem rosto no rosto
sem boca na boca
sem vida na vida
no tempo que transpassa a carne
não carimbada com o falso selo
de pureza humana
que de humana
só tem o selo feito de metal de
frio
jogado sob o fio
da aventura de se esquecer
que a estranheza
se faz da beleza do descobrir
o que nunca se viu
ou se cheirou
ou se sentiu
por não saber que poderia ser
sentido
em ar perdido
contido
na caixa da ilusão
nas palavras ao lado
do vinho que já passou da conta
mas a garrafa não vai ser
guardada
desamparada
como se desampara um coração
que detesta a ilusão
porque ilusão não se ama
tudo acaba
menos os sorrisos que se gravam
para sempre
menos os momentos inesquecíveis
nunca guardados
porque foram respirados
a um
a dois
ao lado do ar inesquecível
do amor encontrado
ou criado
ou retratado em poesia
sem mentira
sem versos
apenas uma vadia porção de
universo
jogada sobre nossas cabeças
para que se esqueça
daquele que um dia
te mostrou a estranheza
de sua estranha melancolia
travestida em poesia
travestida na alegria de se
escrever
porque nunca escrevi para salvar
o mundo
apenas para me manter vivo
diante do crivo cruel
da certeza programada
por isso esquecido
recolhido
falo de beleza
e cheiro a estranheza
do cheiro meu
que nunca foi conhecido
perdido no perto demais
que ninguém quer conhecer
por estranhar meus fragmentos de
mim
sempre assim
como um fim que se aborda
apontando-se à escuridão
de uma alma estraçalhada
pintada
de tudo que não aconteceu
e eu tinha tanto a dizer
mas não há quem queira ouvir
eu tenho
mas é dizer sem poema
é dizer com a minha voz
com meu jeito confuso de nunca
acertar as palavras
não quando existe um destino
que se esconde dos meus olhos
frágeis e de pouca destreza
e me resta a estranheza
de não ser ninguém
e apenas além
de mim e do que nunca farei
escreverei
o que de fato nunca existiu
porque um poeta apaixonado
é um poeta abandonado
ao som das palavras que nunca
foram ditas
e me recolho no meu pequeno eu
cansado
marcado
como peça quebrada
descartada
desinteressada aos olhos de toda
a gente
gente que sente
que sou estranheza
sem nenhuma beleza
apenas poesia
que guia
que fia
a pequena verdade de mim
que não fui
que não disse
que fracassei
ao lado apenas
do que nunca existirá
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