domingo, 23 de agosto de 2015

se o silêncio falasse

Se o silêncio contasse o quanto fui dilacerado
por não terem forças as minhas palavras
ele saberia o quanto não importa
que tudo acabe,
porque tudo foi tirado
e fico dilacerado em pedaços imóveis,
não mortos,
não ainda,
mas imóveis e completamente sem vida;
e estarem mortos,
seria apenas a saída mais bela e romântica,
por isso os pedaços não morrem,
eles agonizam em eternidade
nas mãos que cortam os desejos de forma sombria,
cheias de razão e destinos traçados a todos.
Se o silêncio falasse
eu apenas ouviria
porque tive minha boca calada pela aspereza
das mãos rudes e letais
que me tocam todos os dias.
Se o silêncio falasse
eu seria apenas dor;
e por isso o silêncio me fala todos os dias,
a todo instante,
porque não resta nada,
apenas o fim que ainda não veio,
apenas a decomposição de toda minha alma,
de toda a minha poesia.

E você poderá passar sobre mim,
como se eu não fosse nada,
como se eu nunca tivesse existido.
E serei seu.
E terei obedecido aos caminhos do mundo.
Porque não sou nada.
Por isso desisto
e deixo que minha alma morra perdida nos cantos,
por isso fico aqui,
permitindo que me rasgue,
esperando que a dor vá embora junto com a vida,
porque o silêncio não fala,

ele me deixa só ao lado de quem me mata todos os dias.  

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

o buraco

Jogaram uma garota no buraco.
Corri pra ver e fiquei olhando para ela lá embaixo,
parecia pequena, frágil e assustada,
como uma criança boba e inofensiva.
Então comecei a conversar para acalmar o seu coração,
e suas palavras eram geniais,
a menina via muito mais longe do que as paredes do buraco.
E ela começou a olhar pra cima pra falar comigo.

Os que a jogaram no buraco não gostaram
dela ficar olhando pra cima,
porque isso é errado,
ela devia entender o buraco ao qual pertencia;
mas ela não gostava do buraco.
E me tiraram de perto.
E a menina continuou a olhar para cima,
‘nada muda’ – disse ela.

Bombardearam o buraco
com toda força e raiva que tinham
para que ela abaixasse a cabeça.
Eram bombas covardes e raivosas.
Ela sentiu a dor.
Então pensei,
ela vai se entregar.

Ouvi os barulhos e as palavras da menina,
ela ainda estava de cabeça erguida,
agora mais erguida que antes,
e ela tentava subir as paredes do buraco,
ainda que escorregasse,
começava de novo.
Seus valores mudaram.
Seus medos estão sumindo.
Sua força e sua dignidade aumentam a cada tentativa de subida.
E ela irá sair de lá,
sim irá, pois sua alma já não pertence ao buraco
ou a quem a jogou lá.

Me afastaram e por isto ela sairá do buraco,
como tenho orgulho de sua força e determinação,
como admiro cada vez que ela finca as mãos
nas paredes do buraco para tentar sair,
não se importando se irá cair,
mas sempre seguindo de cabeça erguida.
Como admiro a menina que escala o buraco rumo à liberdade.
Como eu respeito a sua força.
Como eu respeito o seu caráter.
Como eu respeito a sua coragem.

Aqui fora o mundo é mais lindo menina,

e ele já pertence a você.  

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

o cocheiro manco

Voltei à idade média para cuidar de cavalos
nos fundos de uma taberna.
Não sei cuidar de cavalos,
feri minha perna no caminho de volta,
não ando mais direito.
Fiquei manco.
Virei um cocheiro.

O cocheiro manco recolhe estrume todos os dias
enquanto outros homens tomam uísque,
e guardam apenas as menores moedas para presentear o cocheiro
que é o único que lhes preserva
os recursos para seguirem seus caminhos de volta ao lar.

O cocheiro manco não come bem,
pois não consegue comer o feno dos cavalos
e então bebe apenas a sua água,
ao lado deles,
que nunca falam nada e nunca lhe reservam uma moeda.

O cocheiro manco conta toda noite as estrelas,
não por admirar sua beleza,
mas porque dorme todos os dias no cocho,
sujo e com cheiro ruim,
esperando chover para ter como se lavar.

Mas por que ele se tornou um cocheiro?
E por que no mundo medieval?

Me tornei um cocheiro porque os cavalos não falam
e não se importam com as roupas que uso.
Me tornei um cocheiro porque a taberna é barulhenta
e mesmo entre os bêbados
ainda haveria o preconceito por quem eu sou,
mas entre os cavalos não há.
Vim para a idade média
porque nunca vi tanto medo e intolerância
como na era livre em que vivia,
onde as diferenças só eram aceitas
em grupos massacrados com bandeiras;
uma era livre dentro da qual a igualdade jamais existiria.
Uma era em que o ódio dominava as relações
e os corações,
a era mais escura que conheci,
então vim dormir, manco, ao lado do estrume do cavalo,
onde eu não queria ter nada,
e então nada me seria tirado.

O cocheiro manco nunca adormecia,
as estrelas é que se apagavam na imensidão escura do tempo
e tudo o que ele pensava
desaparecia em pensamento algum,
e o cocheiro manco sabia que estava vivo,
porque todos os outros depois dele
sempre estiveram mortos
e por isso só aprenderam a matar tudo o que fosse bom.

E ele não precisava de casa.
E ele não precisava de dinheiro.
E ele não precisava de mais nada além do que tinha de graça,
a chuva e a luz das estrelas.

O coração do cocheiro manco
nunca esteve vazio,
o mundo é que não tinha nada para colocar lá,
então,
ele resolveu ir até as estrelas
e usou os seus sentimentos de escada,
e todos pisaram neles,
menos o cocheiro,
que manco, não conseguia subir as escadas.
E tudo se foi
até as estrelas se apagaram
e esta noite.
Completamente só no mundo que não existe mais,
o cocheiro manco dormiu
e nunca mais acordou para ver as estrelas

se apagarem.  

terça-feira, 11 de agosto de 2015

Fizeram uma ameaça a uma pessoa,
machucar,
maltratar,
impedir,
causar dor...
Mas o que leva alguém a ameaçar outro alguém?
Não é amor, não é cuidado,
é a falta de alguma coisa em um buraco que se torna imenso
e jamais será preenchido
enquanto não houver espaço para o que é diferente.

Fizeram uma ameaça a uma pessoa,
porque me consideram o problema e o homem ruim,
e ameaçaram machucar a pessoa,
para que o homem ruim a defenda.
Os que amam ameaçam e os que causam mal defendem.
Como assim? Não entendo essa lógica.

Fizeram uma ameaça a uma pessoa.
Não gosto de ameaças.
Gosto de abraços e cooperação e carinho e respeito e amor.
Ameaçar é um ato de covardia,
cujo único objetivo é aniquilar alguma coisa,
um sentimento, um desejo, uma liberdade,
pelo bem comum do medo.
Ameaças não são atitudes de seres humanos.
Seres humanos não machucam seres humanos.

Fizeram uma ameaça a uma pessoa,
porque não podem ou não querem fazê-la feliz,
sem amor e liberdade não há felicidade,
há apenas o vazio
que faz com que os ameaçadores precisem de guerra e dor para se alimentar,
alimentar a sua solidão
alimentar seu ego
e definir o mundo com regras baixas e fúteis.

Fizeram uma ameaça a uma pessoa.
Eu nunca ameaço.
Eu amo.
Fizeram uma ameaça
e que a solidão abrace os seus dias,
enquanto nós abraçamos pessoas,
fizeram uma ameaça
eu fiz um poema.


sábado, 8 de agosto de 2015

O tempo conta histórias que às vezes enganam os olhos.
O tempo sabe ser cruel
e as histórias sabem turvar os olhos dos desatentos.
E podemos nos perder do lado errado da linha.

Sonetos não são um sentimento de verdade.
Sonetos são só sonetos.
E como é difícil explicar a mundo onde
não há verdade e onde não há ficção.

As palavras escorrem,
cada um as vê como sabe ver.
E as palavras se perdem.

As histórias se misturam aos nossos desejos
e nos confundem
e às vezes nos tornamos incapazes de ver a realidade.

terça-feira, 4 de agosto de 2015

enterrador

Raramente as palavras são leves e sabem voar,
por isso ficam enterradas para serem descobertas pelo futuro.
Não posso curar os medos que não são meus,
só tenho convites, não tenho receitas.
Os beijos escondidos aquecem o coração,
mas as paredes em volta esfriam a alma
e minha alma é quente,
minhas mãos são quentes.

Raramente as verdades são leves e chegam devagar,
por isso ficam enterradas tão fundo
que talvez nem o futuro as encontre.
Sou um enterrador de verdades e palavras
porque não sei de leveza aparente
só sei de leveza de alma
só sei de desejos imortais.

Raramente os homens bons são mesmo respeitados
por isso ficam distantes e sós,
apedrejados por decisões mundanas e menores que suas almas.
E seu coração corre solto o risco de se ferir,
mas corre livre,
ainda que morto e enterrado ao lado de suas palavras.

O que preciso é apenas tocar minha poesia
pois a poesia me conta todo o resto,
inclusive o amor que sinto,
tão grande e infinito quanto sinto.
O que preciso é apenas de uma mão presa à minha
e que não haja mais nada que as possa soltar,
e que mãos juntas
se juntem às palavras de verdade,
e saibam ir
sem parar para ouvir
a terra que cobre os nossos desejos e nos condena à solidão.
Preciso do tempo que é meu,
e por isso escrevo poesia,
pois mesmo enterrado ao lado de minhas palavras,

preciso estar vivo depois do poema.