quinta-feira, 19 de novembro de 2020

O Silêncio das mãos

Há momentos em que a poesia se senta em silêncio

ao lado do poeta

é quando a poesia se cala

as nuvens chegam e esfriam o dia

as palavras se tornam transparentes, 

sutis momentos da alma que se cura

ou sobrevive

ou apenas está lá, consigo mesma

solitária, individual, silenciosa

diante de um mundo onde o lugar dos homens de verso

não foi reservado e fica ocupado

ainda que por lugares vazios.


O dia branco, enfeitado pelas nuvens que descem

acompanha o silêncio das mãos imóveis

que não poderão fazer-te poemas para sempre

porque a poesia é como o vento que flui, refresca e vai

e há os que seguem ao lado da brisa, 

e há os que se guardam em caixas por temer o vento

e o desejam

e o convidam

mas não deixam entrar.


O poeta calado ainda respira poesia

e seu vento silencioso

pulsa dentro do peito a cada respiração 

porque a poesia não abandona

ela respira ao lado dos que não têm lugar reservado

no mundo das caixas de esconderijo e certeza sã. 


Ah se todos falassem demais como os poetas

que o fazem mesmo estando em silêncio.

Ah se olhar o caminho fosse tão eterno como o trilhar, 

como é aos poetas

que sem medo de existir existem em sentimentos e poesia.

Ah se seus olhos pudessem ver a beleza que tem o aroma da vida simples

que dá as mãos aos sonhos e simplesmente vai

rumo ao vento

rumo sorriso

 sorri

ainda que em poesia.


Quando o poeta se senta calado

com poesia ao seu lado

o tempo para

e se rende as seus versos pequenos

de alma infinita. 

sábado, 7 de novembro de 2020

O veleiro e a sereia

De posse de um barco pardo, de velas armado, sem conhecer a direção do vento;

partiu em seu veleiro solitário, guardado de si e perdido do tempo dos homens todos.

Por um caminho feito de ondas que não marcavam a direção e sumiam e voltavam

ele deslizava sobre o velho e pardo barco levado pelo vento forte, ou fraco;

uma mão no timão, outra na corda da vela, que ele apertava com força e brutalidade

mas era capaz de sentir os sutis detalhes das linhas finas que compunham a tal corda.

Ele não podia controlar o caminho ou sequer conhecer para onde deslizava,

e em seu profundo silêncio de solidão o vento eram suas palavras

guiadas rumo à eternidade de um mundo distante e desconhecido dos homens todos.

Ele não buscava aventura ou um lugar para ancorar, ele apenas guiava o vento em suas palavras

que não cabiam em seu coração e acendiam sua mente em direção ao mundo novo

e que mundo seria, ele não sabia e não se preocupava em saber pois só conhecia o mundo velho

conhecido dos homens todos que achavam que conheciam os mundos todos.

Ele não buscava o amor porque só tinha o velho veleiro pardo pequeno demais para dois

e nenhum amor velaria ao seu lado sob o julgo de um vento que sopraria eternamente.

Ele não buscava o saber porque bastava ouvir o vento cheio de suas próprias palavras sozinhas

com força para girar o mundo e inundar suas sombras, mas não ouvidas pelos homens todos.

Ele sabia que não buscava nada, apenas era empurrado pelo vento e deslizava sobre as águas

rumo ao destino distante, que de tão distante, não era destino, nem era sequer real.

Seu coração doía e ele sabia que ia doer, mas as mãos precisavam estar firmes no timão e na corda e era preciso a força do coração doído para manter-se agarrado ao caminho traçado por águas e alimentado pelo vento do qual ele não caía pela força de seu coração endurecido que enrijecia sua mão.

Não havia esperança ou medo ou segredo guardado num homem de tantas palavras quanto o vento.

Não havia pecado ou pureza, desejo ou satisfação. Havia um caminho de águas e um veleiro pardo capaz de ouvir o vento.

Ele não temia os homens todos também não temia o mar, mas não seria deles ou como eles

sua mágoa era o seu sorriso e sua paz a turbulência de um furacão

e sua certeza, ah a sua certeza! Era a falta de um mapa que ele não levou porque acreditava em um destino que não existia.

 

Ao longo da estrada do mar seus ouvidos e velas treinados a ouvir o vento

foram laçados pelo canto suave e quase silencioso que cortou o caminho das águas,

vindo delas, talvez para elas e não para ele, porque a ele o canto não foi oferecido

mas o indefinível vento decidiu repousar e ouvir o canto escondido das águas ou nelas

porque era uma doçura saída do salgado mar, não para se escutar, só era.

O caminho das águas repousou e se tornou uma imensa lagoa que emitia o brilho da paz,

mas paz é turbulência de furacão e se a superfície se acalma as profundezas fervem

e disso sabia o homem sobre o veleiro, mesmo que não o soubessem os homens todos

mas ele nada podia diante da imensidão de calma e paz sobre um canto quase não ouvido

que ele não esperou, apenas esteve ali porque era ali que estava e não em outro lugar com os homens todos.

E com o vento parado ele silenciou sua mente e afrouxou suas mãos cansadas de velejar

e a dor deu uma trégua e seu coração pode se acalmar flutuando imóvel sobre o mar

parado, de sorriso no rosto, mas sem ser preciso sorrir, vento silenciado e alma em evidência.

Ele esteve ali até que o canto foi ouvido pelo seu silêncio doce como o mar salgado

e quem possuía esse canto era uma bela sereia que emergiu tímida e escondida

com medo do homem porque como sereia sabia e temia os homens todos

já que todos a pintaram como um monstro que os destruiria mesmo sem saber que ela existia

mas de pensarem que ela não se prenderia em suas jaulas eles a temiam como um monstro

cuja liberdade feria seus arpões de caça afiados escondidos nos cascos dos barcos para matar os seres livres.

Ela temia os homens todos e acreditava que ele era um deles

e isso ele não estranharia porque já também achou que o fosse e até temeu a si mesmo

como temia os homens todos e sua vida de imagens não vistas, palavras não ditas, amores não amados, verdades mentirosas, prazeres que feriam, posses que escravizavam e tudo mais que os homens todos chamavam de vida, mas por estarem sempre buscando viver ele achou que talvez nunca tivessem vivido.

Com o rosto deitado sob as águas paradas só se podia ver parte da face e metade do olhar da sereia.

E com seu silêncio contemplativo o canto era ouvido em um lugar dentro dele que não eram nas velas de seu veleiro pardo.

E ele olhou por um tempo e não disse quase nada porque talvez o vento viesse e ele fosse levado.

Mas não era necessário desejar o vento, pois diferente dos homens todos ele não a temia

porque ela sorria e ali ao seu lado nada fazia apenas olhava imersa nas águas calmas

de uma paz que escondia um furacão que talvez nunca soprasse,

pois se soprasse assustaria os homens todos e eles fugiriam e urrariam de ódio e pavor

mas no veleiro não havia temor, apenas o tempo que não passava por não fazer mais sentido

e o homem que velejava sem rumo até o rumo não velejado sob o imerso olhar da sereia

escondida nas águas calmas que a revelavam, mais por estar escondida do que por se revelar.

E o que ele queria? Possuí-la? Velejar? Não, ele só estava ali porque era ali onde ele estava

e não com os homens todos e talvez só por isso fosse ali onde ela estava e não fugindo dos homens todos.

Ah os homens todos, tão poucos em sua multidão que talvez não sejam nada e nunca percebam o olhar escondido de uma sereia já que turvam as águas com seus arpões. Talvez nunca escutem o canto já que ela canta em silêncio não querendo ser ouvida. Ah tolos homens todos silenciados por seu ruído constante e suas paredes que param o vento e assim nunca são levados por ele e não chegam a lugar algum, mas sempre querem chegar. E ficam todos entre si os homens todos, sozinhos como todos os homens todos.

Sim. Era o que ela diria se ele perguntasse se poderia mergulhar, mas ele não perguntaria

porque não pensara em pular ao mar em nenhum momento de sua jornada

que não era uma jornada, ele apenas estava sobre o veleiro de mãos firmes e imóvel

e o que segue não somos nós, o que nos leva é onde escolhemos pisar e ele sabia

e sabia que não sabiam os homens todos e pisou em um veleiro pequeno sem a ninguém convidar

talvez a sereia quisesse que ele estivesse ali ao seu lado dentro das águas calmas que escondiam o furacão

ou talvez ela temesse ser convidada para subir ao barco, onde ela não caberia e teria que segurar a corda áspera das velas com suas mãos acostumadas à doçura das águas salgadas do imenso mar.

Mas ele não convidou, seu barco era feito apenas para um e apenas um cabia

todo o resto existia ao vento e ele era capaz de perceber que não tinha nada

apenas o vento de palavras que passava por ele e nunca ficava então nem isso tinha

mas estava sempre ali, onde o vento passava porque para ele só existia aquele lugar e aquele momento

e aquela sereia que agora existia e ele esperava o furacão que o arremessaria para longe

e todo o seu veleiro quebraria já que a paz vem embalada na tormenta do vento sem fim

vento que torna todos os caminhos pequenos e encosta tudo no desconhecido que não vemos.

 

O veleiro sabia a esse homem muitas coisas por ser um veleiro só

só levado pelo vento, só para um, porque o vento é tudo e ao mesmo tempo nada

pois carrega tudo o que não fica e deixa tudo o que não pode levar e nada é

pois só é o que vai, porque não é nada e o que fica, se fica, não foi e não é.

O tempo da sereia fora da água era muito pequeno e ele apenas via água parada

e pensava nela mais do que ela existia e ele, é claro, sabia

que seus pensamentos eram a maior verdade que tinha

mesmo que existindo apenas sobre seu veleiro de um homem só

e que seriam levados com o vento quando ele voltasse a soprar cheio de palavras

nas velas pintadas de poesia sem cor alguma já que não precisavam de nada

pois mesmo sem existir, existiam, assim como poesia, que mesmo sem ser dita, poesa.

E todo o intervalo de ter visto a sereia até o momento em que a veria novamente

ou talvez não visse já que as águas eram imensas ao alcance de seus olhos de vela cansada,

mas ele sabia que o intervalo seria marcado por seus pensamentos nela,

no seu sorriso escondido sob as salgadas águas do imenso mar e seu canto

não cantado que invadiu seu coração e rasgou o silêncio de seu esconderijo em mar aberto

e acendeu seu furacão e ele entendeu então que o furacão não viria do vento sobre o mar

porque já estava lá, e era ele, o furacão de todos os ventos soprados ou não

o homem nenhum, jogado fora pelos homens todos que não sabiam soprar ou cheirar o vento

e se escondiam em suas cavernas quadradas de vento falso e gelado

com o cheiro falso que mentia ser agradável ao nariz dos homens todos

e todos os homens todos fingiam amar acorrentados aos seus fingimentos

com invisíveis correntes de ideias que os prendiam em tudo que não sabiam entender.

Mas não sabiam e não viam as correntes os homens todos

porque o homem ao mar no veleiro pardo solitário para um homem só

via presos todos os homens todos sob o julgo do seu medo do canto da sereia

e via também presas todas as sereias todas, presas ao mar

com medo de serem presas pelos homens todos

eles na terra elas no mar, presos todos pelo medo de se prender a correntes e arpões

e ele não precisou ter visto todos os homens todos nem todas as sereias todas

bastou ser um homem e ouvir o canto da sereia em seu coração e tudo lhe foi explicado

pelo vento que não soprava e explicou com o silêncio de palavra alguma

e entendeu sem ter compreendido o próprio entendimento

 

a sereia não emergiu o homem não mergulhou e o pequeno veleiro pardo

os separou em suas existências, uma na água e um fora dela

já que a água não era capaz de engolir o furacão que não seria mais furacão se engolido pelo mar.

E não seria mais mar se soprado pelo furacão e isso fez o homem entender

que ele não desceria às águas e a sereia não subiria ao veleiro

e mesmo porque nunca houve convite apenas o vento de palavras do homem

que ele viu assustar a sereia que só apareceu com o vento silenciado

porque sabia que o vento trazia não só o veleiro pardo mas também os homens todos

que turvavam as águas com seus arpões e cegavam o mar e o vento.

As mãos da sereia não tocaram as mãos do homem, seus corpos não se conheceram

suas bocas não saborearam-se, seus olhos não viram apenas uns aos outros

seu cheiro não foi misturado até ser um só

ela não o molhou e ele não soprou palavras em seus ouvidos

ela não cantou o canto da sereia que o enfeitiçaria a mergulhar no profundo mar

e ele não entoou as palavras de vento que a fariam subir no pequeno veleiro pardo

e não quiseram ser um só, ela era da água e ele do vento

não contaram seus segredos, já que suas almas estavam guardadas em suas almas desconhecidas

não se apaixonaram, o mar e o vento significavam mais do que seus corações

não caminharam de mãos dadas já que não sabiam caminhar sobre as águas

não se abraçaram, não dormiram um ao lado do outro esperando o vento voltar e levar o veleiro

a sereia não o viu partir com a esperança de que voltaria

ele não se lançou ao vento sabendo que voltaria para onde nunca soube onde era, mas ela estaria lá

não foram um para o outro, porque um do outro jamais seriam

ele era do vento, ela era do mar. Ele era o furacão, ela o oceano profundo. Ele possuía as velas de poesia que eram de coisa alguma e ela possuía o canto da sereia que nunca havia cantado para não enfeitiçar ninguém.

Ela estava cuidada dentro de suas águas que a embalavam

e ele seguia estrelas que jamais poderia alcançar.

E ali estavam, só porque era o lugar que estavam aquela hora

e não ouve amor, não aprenderam a amar

era água demais

era vento demais

ainda que estivessem parados.

 

Poderia ter sido amor ele pensou ou talvez ela tenha pensado

no pequeno momento em que foram corajosos o suficiente para se olhar

e não para onde olhavam os homens e sereias todas

mas ele temeu se afundar nas águas quando percebeu que ela o queria no mar

poderia ter sido amor se ele mergulhasse ou ela subisse mas era uma missão perdida

para uma sereia e um homem sobre um veleiro pardo de vento parado

e foi um veleiro que os separou

o veleiro que leva o homem ao destino do vento que não possui destino algum

e que por ventar sereno não o derrubou nas águas quando a sereia se permitiu estar lá

e agora ela já nadava para longe com medo dele ter um arpão

arpão que ele nunca soube manusear e nunca também disse que não tinha

mas ele não a pediu para voltar ou sequer pediu ao vento que o levasse até ela,

a viu partir olhando para trás e desejou que o vento o tirasse dali sem desejar nada

e ela sabia que todo o vento talvez tivesse as palavras dele

e ele sabia que todo o oceano teria o cheiro dela e a temperatura de um mergulho que ele não teve coragem de dar e resolveria pensar que ela não teve coragem de subir, mas não era mais bobo a esse ponto, o veleiro havia feito dele um homem bom em pensar

poderia ter sido amor se o mar e o vento fossem um só

mas eram mar e vento abraçados e separados na imensidão de cada um

e sabiam que sereia e homem sobre o veleiro, separados pelo ser que eram

mereceram um lugar ao lado do outro

sem tempo marcado, sem mapa ou sem migalhas para seguir

e a sereia partir sem precisar ir pois todo o mar era seu

e o homem convidava o vento a ensiná-lo a partir

já que a dor das mãos travadas às cordas da vela era menor que a dor de um furacão guardado no peito

ele não perguntou se poderia mergulhar, ela não disse que sim

ele não perguntou se ela queria subir ao barco, ela não disse que não

e essa história não foi feita do encontro entre os dois

mas das velas de poesia feitas de nada que levaram o homem até ali e o levariam embora depois

já que ele nunca teve destino e não o teria

porque seu único sonho era amar em paz, mas a paz era o seu furacão que o levaria ao mundo inteiro

ele não ouviu o canto que o enfeitiçaria e o tornaria vento mar

e ele não soprou o vento que a faria cantar

porque ele precisava dizer aos homens todos que existe um mar com o canto de uma sereia que irá plantar em seus corações a felicidade profunda

e sonhar que todos os homens todos o ouviriam

mesmo que seu coração fosse o único sem o canto da sereia

e montado em seu veleiro pardo ele viu o vento voltar enquanto a sereia nadava sem rumo

não houve amor

houve vento e mar

vela de veleiro pardo e canto silencioso de sereia

mas poderia ter havido

porque essa história é feita das velas de poesia do veleiro pardo que não são feitas de nada e poderia ser outra história

mas eles só estavam ali

naquele momento

em que o mar sentiu a paz de um vento que não soprava

 

o veleiro pardo talvez vague até o fim de todos os dias

e a sereia talvez nade sem nunca cantar e enfeitiçar

e essa história talvez nunca seja mais que uma história do vento e do mar

de um veleiro pardo e uma sereia

que ensinaram ao homem das palavras de vento

o que poderia ter sido amar... 

quarta-feira, 4 de novembro de 2020

o som da chuva

 Lá fora chove

eu ouço a música das gotas tocando as folhas das árvores.

Meu coração não pensa em nada,

minha cabeça não tenta sentir.

Meus olhos contemplam as paredes do meu quarto fechado.

O cheiro da chuva

invade o meu momento como notas finas de música e sabor.

Banhar-me hoje, lá fora,

seria frio como poesia guardada em gavetas,

esquecida em corações que não ouvem mais

quando uma gota de água toca o chão.

Então me lembro de você

e de como me aqueceria em um abraço delicado

como uma gota que rompe a gravidade e permanece pendurada à folha,

sem motivo

sem medo de cair

apenas saboreando o delicado e sutil momento.

E seu silêncio nesse momento

é música de quietude, feita para acalentar o fogo do meu espírito.

O som da chuva me embala como um sorriso agradável

e eu poderia escutar seu coração

na quietude da música silenciosa

nos pequenos instantes em que a água ainda está no ar.

Não terei meu corpo molhado e frio

também não o terei abraçado e aquecido.

Mas meu coração pode ouvir o barulho silencioso da eternidade

e aguardar feito a gota que não caiu da folha

o momento em que a música serei eu

caindo para ser som que embala corações.