Talvez só compreendamos a vida ao pensar o não viver…
A vida é quando você abraça, é
quando você sorri, porque quer e precisa, ou porque belamente sabe que o outro
precisa. Quando você compreende o não viver sabe que a pessoa não vai esta ali
para sempre, um dia não poderá mais abraçá-la, ou sorrir para ela. E isso não pode
ser impedido ou mudado. Quando há alguém a quem abraçar, para quem sorrir, você
escolhe entre a vida e o não viver.
No velório do meu pai meu irmão
reclamou que só tinha uma amiga, porque todo o círculo de pessoas com quem convive
não foi vê-lo. Eles escolheram o não viver. Mas ele, ao continuar perto deles,
também o escolhe todos os dias.
No mesmo dia, pela manhã, quando
recebi a notícia, informei a uma pessoa querida, que estava ao meu lado. Ela me
disse uma coisa de trabalho, falou que não gosta de cemitérios. Não sorriu. Não
me deu um abraço. Não ofereceu companhia. Se fosse o contrário eu teria feito todas
essas coisas e muitas outras. Eu teria escolhido a vida diante de alguém que
escolheu o não viver.
Amigos ficaram comigo. Me levaram
para comer. Pagaram para mim. Por cuidado, por atenção. Isso é escolher a vida.
Porque eu vou sempre me lembrar com gratidão de suas presenças.
Minha melhor amiga se casou (não
sei se ocupo mais esse lugar na vida dela, ela ocupa na minha). Fiquei sabendo
no grupo do trabalho. Mas nem soube onde era. Era no cartório, num dia qualquer
da semana. Parecia não importar. Bem, para o não viver nada importa. Só sei que
mesmo se não me deixassem entrar eu ficaria do lado de fora, sei lá, do outro
lado da rua, só para dar um abraço nela naquele momento. Ou se ela não me
quisesse ali naquele momento era só dizer que eu olharia de longe, só para vê-la
sair feliz. Eu não gosto do não viver, me sinto enjaulado quando me empurram para
fora da vida.
Eu desfiz a minha companhia de
teatro reclamando que as pessoas não me viam como um ser humano. Disse a elas o
que precisavam perguntar uns aos outros, talvez seja óbvio que isso me incluísse.
Ninguém perguntou. Ninguém me deu um abraço diante da perda que tanto me
machucou. Todo mundo não viveu, nada foi feito. Tudo acabou.
Hoje uma bola gira no meu peito,
bem abaixo da traqueia, me fazendo tossir infinitamente. Me dizem o tempo todo
que eu tenho que aprender a lidar com os sentimentos, que preciso me ajustar à
realidade das pessoas. Somos humanos, somos seres de grupo, de contato e
companheirismo, o agir junto é o que nos fez dominar o planeta. Quando todos
olham apenas para o retângulo entre os dois polegares não há muito o que se
possa fazer. Só posso mudar até onde as minhas mãos alcançam, a partir dali eu
preciso das mãos do outro, se elas não estão lá, não há nada o que eu possa fazer,
porque só existe o não viver.
E como não vivemos sozinhos,
quando deixados de lado, nos é negada a vida e imposto o não viver.
Do que adianta ser lido esse texto
quando eu não estiver mais aqui? Para mim, não serve para nada. Não terei tido a
vida. Talvez o leitor aprenda a abandonar o não viver. Um pouco cruel isso,
deixar quem nos convida à vida morrer solitário no não viver, só para depois de
sua partida querermos vida só para nós.
Sejamos sinceros, homenagens póstumas
não servem de porra nenhuma. Bem, não vou morrer hoje, não que eu saiba. Essa tosse
não vai me matar.
Se eu fosse citar todos os exemplos
que tenho esse texto seria comprido demais. A madrugada seria pequena e eu
veria o sol nascer e ferir os meus olhos sensíveis à luz.
Tudo bem se você não me convidou
para ir à sua casa e nunca vai mesmo convidar. Tudo bem se não leu meu texto, o
mais importante da minha vida. Tudo bem se não faz ideia de como eu me sinto
porque não se interessa. Tudo bem se não vai me abraçar quando eu sofrer
novamente (e vai acontecer). Tudo bem se não sabe por que eu criei o que criei
e nunca vai me perguntar o motivo. Tudo bem se só me mandam descansar quando eu
estou caído, mas nunca vão impedir que eu caia. Tudo bem se me joga para deus
para se desresponsabilizar de fazer o que pode enquanto ser humano. Tudo bem se
não tem tempo de vida para passar ao meu lado, mesmo que eu peça muito pouco. Tudo
bem se todas as pessoas que eu conheço escolheram o não viver. Só não me peçam
para me ajustar a isso, esse conselho eu não aceito.
Ah, e por favor, nada de: conheça
novas pessoas. Só diga: não te quero tão perto. É mais honesto.
É uma pena que a maioria das
pessoas só enxergue a vida quando percebe o não viver, quando vê que não dá
mais tempo, que o tempo se foi. Vivemos uns nos outros, e quando escolhemos
viver só em nós, não existe vida alguma, apenas um não viver egoísta e
solitário que se enche de verdades e ensinamentos vãos.
Não quero que me ensinem a me
ajustar ao não viver. Quero que me abracem e vivam perto de mim para que eu
enxergue vida. Para que todos enxerguemos vida.
Provavelmente quem ler esse texto
enquanto estou vivo (agora falo de vida biológica) sabe que eu tenho um blog. Andei
chato, convidando sempre as pessoas para a leitura. Mas vou publicar nele e não
avisar ninguém e, infelizmente, saber que ninguém o lerá. Porque ninguém se
importa em saber se escrevi. Na verdade todos sabem, porque sempre escrevo. Só não
se importam em ir lá ver o que foi escrito, ou em me perguntar.
E quando lerem, se lerem, dirão:
que texto lindo, me emocionei... e coisas assim. Eu não sei quantas centenas de
textos já escrevi e foram lidos. Não sei quantas centenas de elogios (aos
textos) já recebi. Mas sei que quando escrevro, coisas como: você está bem? Foram, sei lá, menos
de dez vezes nos últimos trinta anos escrevendo continuamente. Coisas como: posso
fazer alguma coisa por você? Quer companhia? Ah, essas não tem como contar,
nunca aconteceram.
É estranho pensar que coisas
simples como uma frase, que são de suma importância para mim, nunca serão
ditas, mesmo eu dizendo que quero que sejam. O máximo que eu tenho é uma
tentativa de me mostrarem que estou errado em querer ouvi-las. Que devo me ajustar.
Não aceito o não viver, não perca seu tempo tentando me ensinar, nunca vou
aceitar.
Vou sempre querer a vida, ainda
que a vida me seja negada por todos à minha volta.
Prefiro a dor constante de uma
vida que falta, que a conformidade mórbida de aceitar o não viver.
Tudo vai acabar. Todos irão partir.
E você vai sentir falta. Porque é só isso que o não viver te dá, ausência. Se você
olhar para trás já vai encontrar diversos momentos em que poderia ter estado
lá, com alguém, por alguém. Vai se arrepender de muitas coisas não ditas, ou às
vezes mal ditas. Vai lamentar não ter chegado perto. Vai sentir saudades do último
abraço que nunca aconteceu.
O último abraço só acontece se
você abraçar todos os dias, porque você jamais saberá quando vai ser o último
dia...
Escolha a vida, o não viver torna
vazios os corações. E um coração vazio não entende o significado de sermos
todos um único ser.
Eu estou aqui, pena que você não vai
me ler se eu não te pedir (e talvez nem assim). Pena que me ler não muda quem
eu sou para você.
Eu não sou as milhares de coisas
que escrevi. Eu sou aquele que as escreveu sozinho...
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