quinta-feira, 20 de agosto de 2015

o cocheiro manco

Voltei à idade média para cuidar de cavalos
nos fundos de uma taberna.
Não sei cuidar de cavalos,
feri minha perna no caminho de volta,
não ando mais direito.
Fiquei manco.
Virei um cocheiro.

O cocheiro manco recolhe estrume todos os dias
enquanto outros homens tomam uísque,
e guardam apenas as menores moedas para presentear o cocheiro
que é o único que lhes preserva
os recursos para seguirem seus caminhos de volta ao lar.

O cocheiro manco não come bem,
pois não consegue comer o feno dos cavalos
e então bebe apenas a sua água,
ao lado deles,
que nunca falam nada e nunca lhe reservam uma moeda.

O cocheiro manco conta toda noite as estrelas,
não por admirar sua beleza,
mas porque dorme todos os dias no cocho,
sujo e com cheiro ruim,
esperando chover para ter como se lavar.

Mas por que ele se tornou um cocheiro?
E por que no mundo medieval?

Me tornei um cocheiro porque os cavalos não falam
e não se importam com as roupas que uso.
Me tornei um cocheiro porque a taberna é barulhenta
e mesmo entre os bêbados
ainda haveria o preconceito por quem eu sou,
mas entre os cavalos não há.
Vim para a idade média
porque nunca vi tanto medo e intolerância
como na era livre em que vivia,
onde as diferenças só eram aceitas
em grupos massacrados com bandeiras;
uma era livre dentro da qual a igualdade jamais existiria.
Uma era em que o ódio dominava as relações
e os corações,
a era mais escura que conheci,
então vim dormir, manco, ao lado do estrume do cavalo,
onde eu não queria ter nada,
e então nada me seria tirado.

O cocheiro manco nunca adormecia,
as estrelas é que se apagavam na imensidão escura do tempo
e tudo o que ele pensava
desaparecia em pensamento algum,
e o cocheiro manco sabia que estava vivo,
porque todos os outros depois dele
sempre estiveram mortos
e por isso só aprenderam a matar tudo o que fosse bom.

E ele não precisava de casa.
E ele não precisava de dinheiro.
E ele não precisava de mais nada além do que tinha de graça,
a chuva e a luz das estrelas.

O coração do cocheiro manco
nunca esteve vazio,
o mundo é que não tinha nada para colocar lá,
então,
ele resolveu ir até as estrelas
e usou os seus sentimentos de escada,
e todos pisaram neles,
menos o cocheiro,
que manco, não conseguia subir as escadas.
E tudo se foi
até as estrelas se apagaram
e esta noite.
Completamente só no mundo que não existe mais,
o cocheiro manco dormiu
e nunca mais acordou para ver as estrelas

se apagarem.  

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