sábado, 2 de agosto de 2025

O Datilógrafo

Tac tac tac tarara tactactactac tarara tac tac tactactactac tara tarararara tac tac tac tac... E enfim chega o fim do dia que não passa de um dia tac tac tarara tactac. Bom, o datilógrafo faz datilografia todo dia que se anuncia dia de datilografia. Ele tem as palavras, muitas e muitas palavras que datilografa sem travas porque são suas as palavras palavreadas de sua mente e coração. Tac tac tarara tactac.

E pela rua como uma criança nua de compreensão ele segue sem a companhia da lua que hoje não apareceu pegou em sua mão, uma mão vazia de outra mão ou da coleira de um cão ou de uma sacola ou de uma bola ou um ticket refeição. Seus dedos ainda se mexem no movimento infinito do tac tac tarara tactac.

Ele chega ligeiro em casa, ninguém o para no caminho nenhum amigo pois amigos não há para quem tac tac tarara tactac durante todo o dia grafando a magia de tudo o que não existiria sem a sua datilografia que reescreve a teoria da existência do que seria a vida que existiria se palavras não houvessem não.

Em casa de barriga não vazia após uma solitária refeição sua mão acalmada do tac tac tarara tactac percebe uma melodia escassa e esguia que dança sem afeição ao lado de um tempo sem alento repleto de solidão que quebra e fere a memória sem nada para memoriar porque não há o que comemorar quando se comemora sozinho qualquer criação o que agita sua pequena mão e a outra mão segue a sentença das palavras que vagueiam em sua mente intensas por ser um criador e constantes por ser amado apenas pelas paredes silenciosas da sua prisão.

Sentado e de coração encaixotado ele olha para o lado sentindo o tremor de sua mão e sua vida vazia o lembra da datilografia, sua única escolha e opção e então é que começa o dia mesmo já não sendo dia e as palavras se tornam um som repetido e infinito de tac tac tac tararara tactac tac tac tarara tac tactac tac tarararatatac tac tarara tac ta tara tac tactac taratac tarara tactactactac tarara tactac tactararara tactac tara tac tara tac ta ra ra ra tac ta tac ta...

Não ele não morreu, adormeceu? Adoeceu? Se esqueceu de si? Ou tem apenas palavras demais para continuar a respirar e se recusa a datilografar não por poder recusar mas por já não mais suportar tanto tac tac tarara tactac como as batidas de seu coração que não compreende a condição de uma vida vazia na datilografia que escreve e fia a linha fininha da evolução que é contada amontoada e planejada em um montão de palavras que surgem da mão que só faz tac tac tarara tactac para substituir ou sufocar o som das palavras surdas nunca ditas por uma mente em ebulição que precisa muitas vezes ouvir e ouvir e ouvir mas nada é dito a quem é deixado guardado na casa ao lado sentado diante da velha máquina de escrever porque não importa que a sua vida esteja morta já que tudo vai reviver em uma folha lotada de letras amontoadas.

Vivam amigos do datilógrafo já que ele tac tac tarara tactac para que tudo exista a vocês e seus sorrisos e esperanças possam ser alimentados e não abandonados já que precisam de palavras amontoadas para construir seus desejos e alimentar a sua ambição criativa e certos estão quando não o tiram de seu quadrado afinal o que não for datilografado não existirá e o datilógrafo nunca importará mais do que suas palavras gravadas no branco vazio de uma vida que ele nunca viu acontecer.

Mas por que ele não diz “oh estou aqui”? Ele diz em tac tac tarara tactac mas isso é o que todos querem então ele tem que dizer mais e ficar mais lá e dizer mais e ficar mais lá par que todos fiquem felizes e ele mesmo já disse fora da datilografia mas viu que não adiantaria implorar por afeição e ter que explicar e explicar e explicar mil vezes como se sente um homem das palavras porque de tanto tac tac tarara tactac ele aprendeu que sentimentos não se explicam, eles precisam ser observados e compreendidos e se ninguém o compreende é porque ninguém o observa e para quem não observa até compreender explicar não faz sentido afinal não é um humano ali apenas dedos que tac tac tarara tactac com precisão.

Tac tac tac tarara tactactactac tarara tac tac tarara tactactactac tara tarararara tac tac tac tac... mais um dia... Tac tac tac tarara tactactactac tarara tac tac tactactactac tara tarararara tac tac tac tac... outro dia Tac tac tac tarara tactactactac tarara tac tac tactactactac tara tarararara tac tac tac tac... semana... Tac tac tac tarara tactactactac tarara tac tac tactactactac tara tarararara tac tac tac tac... mais um dia... Tac tac tac tarara tactactactac tarara tac tac tactactactac tara tarararara tac tac tac tac... outro dia ... Tac tac tac tarara tactactactac tarara tac tac tactactactac tara tarararara tac tac tac tac... ano Tac tac tac tarara tactactactac tarara tac tac tactactactac tara tarararara tac tac tac tac... outro ano Tac tac tac tarara tactactactac tarara tac tac tactactactac tara tarararara tac tac tac tac... dez anos Tac tac tac tarara tactactactac tarara tac tac tactactactac tara tarararara tac tac tac tac... mais um dia Tac tac tac tarara tactactactac tarara tac tac tactactactac tara tarararara tac tac tac tac... semana Tac tac tac tarara tactactactac tarara tac tac tactactactac tara tarararara tac tac tac tac... ano Tac tac tac tarara tactactactac tarara tac tac tactactactac tara tarararara tac tac tac tac... dez anos Tac tac tac tarara tactactactac tarara tac tac tactactactac tara tarararara tac tac tac tac...

O datilógrafo já sente a tempo seus dedos doerem não mais que sua emoção de não ser buscado ao lado dos leitores e existidores na vida que existe por suas palavras tac tac.

Os parágrafos ficam mais curtos e as mãos mais geladas de tanto tac tac sozinhas.

Tac tac tarara tactac tem conhecimento demais nessas palavras.

Tac tac tarara tactac também tem melancolia.

Tac tac tarara tactac existe criação.

Tac tac tarara tactac vida não há.

Tac tac tarara tactac eu...

Tactac tarara tactac...

Tac tac tarara tactac.

Tac.

Tac.

Tac.

Ta.

T.

.

sexta-feira, 18 de julho de 2025

Elegia aos dias frios

Você já veio até mim, é veio,

quando precisava trabalhar, talvez,

para terminarmos em grupo um projeto com prazo ferrado.

Já me gritou na rua quando seu dinheiro acabou, não que eu tivesse mais

já me levou para examinar o cérebro que não tinha nada de errado.

Já veio falar comigo todos os dias tentando me conquistar,

já veio tentar destruir a minha humanidade,

ferir a minha arte.

Já veio e virá aos eventos sociais,

já me procurou para saber ou resolver coisas,

veio até mim para treinar e aprender

veio para trabalhar...

veio e virá por tantas coisas...

você... todos os vocês que que conheço...

tantos vocês... nem consigo contar.

 

Mas nunca veio por motivo algum,

aquele dia que, talvez ele se sinta sozinho

sozinho demais para conseguir escrever...

 

eu sou feito de palavras

e quando elas não vêm

eu deixo de existir

 

Ah! Por que nunca me falou?

Eu disse de muitas formas, toda vez que falo “não consigo escrever” estou gritando por socorro...

Já disse em poemas que divulguei...

Já disse com histórias...

Já disse com teorias e fórmulas para mudar o mundo...

Já disse com respostas curtas que me fazem parecer estranho...

Já disse com convites para “ir ali”, mas que já desisti de fazer...

 

Já disse com tantas palavras

que já não faz mais diferença dizer

e ainda assim estou dizendo agora...

 

paredes velhas

música

silêncio

mais e mais e mais ideias

palavras impedidas pelo silêncio da inexistência dos abraços

as teorias mais belas (e prováveis)

o oitavo do mundo (até o momento)

pelo menos eu posso cantar errado, ninguém vai ouvir...

 

Às vezes,

quando estou só,

eu expulso as palavras

e sem palavras

eu pareço não existir...

 

e nunca, nunca mesmo, alguém virá

até o temido dia em que eu não consiga sair do chão sozinho...

terça-feira, 24 de dezembro de 2024

A tempo, feliz...

Que seja natal se você acordar sorrindo,

que seja natal se acordar com preguiça,

que o seja se você resolver dormir o dia inteiro;

que seja natal em família, com amigos,

e principalmente para quem estiver só.

 

Presentes trocados, abraços apertados, sorrisos...

que seja festa se você puder fazer alguém feliz

e não importa a forma que usar para isso,

a felicidade é um direito de todos nós

e ainda há tempo parar distribuirmos a felicidade.

Sempre há, e sempre haverá...

 

Que seja natal no seu sorriso,

na sua declaração de amor,

mesmo que escondida em uma frase mais simples....

com ou sem presentes

com ou sem comemorações,

escolha as pessoas de que gosta,

ou apenas uma se for o caso;

escolha também pessoas de quem não gosta,

e envie a elas o presente mais simples,

uma singela e curta frase de natal: - seja feliz!

 

Que seja natal

e que você

seja feliz!

sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

O que é a vida e o não viver

Talvez só compreendamos a vida ao pensar o não viver…

A vida é quando você abraça, é quando você sorri, porque quer e precisa, ou porque belamente sabe que o outro precisa. Quando você compreende o não viver sabe que a pessoa não vai esta ali para sempre, um dia não poderá mais abraçá-la, ou sorrir para ela. E isso não pode ser impedido ou mudado. Quando há alguém a quem abraçar, para quem sorrir, você escolhe entre a vida e o não viver.

No velório do meu pai meu irmão reclamou que só tinha uma amiga, porque todo o círculo de pessoas com quem convive não foi vê-lo. Eles escolheram o não viver. Mas ele, ao continuar perto deles, também o escolhe todos os dias.

No mesmo dia, pela manhã, quando recebi a notícia, informei a uma pessoa querida, que estava ao meu lado. Ela me disse uma coisa de trabalho, falou que não gosta de cemitérios. Não sorriu. Não me deu um abraço. Não ofereceu companhia. Se fosse o contrário eu teria feito todas essas coisas e muitas outras. Eu teria escolhido a vida diante de alguém que escolheu o não viver.

Amigos ficaram comigo. Me levaram para comer. Pagaram para mim. Por cuidado, por atenção. Isso é escolher a vida. Porque eu vou sempre me lembrar com gratidão de suas presenças.

Minha melhor amiga se casou (não sei se ocupo mais esse lugar na vida dela, ela ocupa na minha). Fiquei sabendo no grupo do trabalho. Mas nem soube onde era. Era no cartório, num dia qualquer da semana. Parecia não importar. Bem, para o não viver nada importa. Só sei que mesmo se não me deixassem entrar eu ficaria do lado de fora, sei lá, do outro lado da rua, só para dar um abraço nela naquele momento. Ou se ela não me quisesse ali naquele momento era só dizer que eu olharia de longe, só para vê-la sair feliz. Eu não gosto do não viver, me sinto enjaulado quando me empurram para fora da vida.

Eu desfiz a minha companhia de teatro reclamando que as pessoas não me viam como um ser humano. Disse a elas o que precisavam perguntar uns aos outros, talvez seja óbvio que isso me incluísse. Ninguém perguntou. Ninguém me deu um abraço diante da perda que tanto me machucou. Todo mundo não viveu, nada foi feito. Tudo acabou.

Hoje uma bola gira no meu peito, bem abaixo da traqueia, me fazendo tossir infinitamente. Me dizem o tempo todo que eu tenho que aprender a lidar com os sentimentos, que preciso me ajustar à realidade das pessoas. Somos humanos, somos seres de grupo, de contato e companheirismo, o agir junto é o que nos fez dominar o planeta. Quando todos olham apenas para o retângulo entre os dois polegares não há muito o que se possa fazer. Só posso mudar até onde as minhas mãos alcançam, a partir dali eu preciso das mãos do outro, se elas não estão lá, não há nada o que eu possa fazer, porque só existe o não viver.

E como não vivemos sozinhos, quando deixados de lado, nos é negada a vida e imposto o não viver.

Do que adianta ser lido esse texto quando eu não estiver mais aqui? Para mim, não serve para nada. Não terei tido a vida. Talvez o leitor aprenda a abandonar o não viver. Um pouco cruel isso, deixar quem nos convida à vida morrer solitário no não viver, só para depois de sua partida querermos vida só para nós.

Sejamos sinceros, homenagens póstumas não servem de porra nenhuma. Bem, não vou morrer hoje, não que eu saiba. Essa tosse não vai me matar.

Se eu fosse citar todos os exemplos que tenho esse texto seria comprido demais. A madrugada seria pequena e eu veria o sol nascer e ferir os meus olhos sensíveis à luz.

Tudo bem se você não me convidou para ir à sua casa e nunca vai mesmo convidar. Tudo bem se não leu meu texto, o mais importante da minha vida. Tudo bem se não faz ideia de como eu me sinto porque não se interessa. Tudo bem se não vai me abraçar quando eu sofrer novamente (e vai acontecer). Tudo bem se não sabe por que eu criei o que criei e nunca vai me perguntar o motivo. Tudo bem se só me mandam descansar quando eu estou caído, mas nunca vão impedir que eu caia. Tudo bem se me joga para deus para se desresponsabilizar de fazer o que pode enquanto ser humano. Tudo bem se não tem tempo de vida para passar ao meu lado, mesmo que eu peça muito pouco. Tudo bem se todas as pessoas que eu conheço escolheram o não viver. Só não me peçam para me ajustar a isso, esse conselho eu não aceito.

Ah, e por favor, nada de: conheça novas pessoas. Só diga: não te quero tão perto. É mais honesto.

É uma pena que a maioria das pessoas só enxergue a vida quando percebe o não viver, quando vê que não dá mais tempo, que o tempo se foi. Vivemos uns nos outros, e quando escolhemos viver só em nós, não existe vida alguma, apenas um não viver egoísta e solitário que se enche de verdades e ensinamentos vãos.

Não quero que me ensinem a me ajustar ao não viver. Quero que me abracem e vivam perto de mim para que eu enxergue vida. Para que todos enxerguemos vida.

Provavelmente quem ler esse texto enquanto estou vivo (agora falo de vida biológica) sabe que eu tenho um blog. Andei chato, convidando sempre as pessoas para a leitura. Mas vou publicar nele e não avisar ninguém e, infelizmente, saber que ninguém o lerá. Porque ninguém se importa em saber se escrevi. Na verdade todos sabem, porque sempre escrevo. Só não se importam em ir lá ver o que foi escrito, ou em me perguntar.

E quando lerem, se lerem, dirão: que texto lindo, me emocionei... e coisas assim. Eu não sei quantas centenas de textos já escrevi e foram lidos. Não sei quantas centenas de elogios (aos textos) já recebi. Mas sei que quando escrevro, coisas como: você está bem? Foram, sei lá, menos de dez vezes nos últimos trinta anos escrevendo continuamente. Coisas como: posso fazer alguma coisa por você? Quer companhia? Ah, essas não tem como contar, nunca aconteceram.

É estranho pensar que coisas simples como uma frase, que são de suma importância para mim, nunca serão ditas, mesmo eu dizendo que quero que sejam. O máximo que eu tenho é uma tentativa de me mostrarem que estou errado em querer ouvi-las. Que devo me ajustar. Não aceito o não viver, não perca seu tempo tentando me ensinar, nunca vou aceitar.

Vou sempre querer a vida, ainda que a vida me seja negada por todos à minha volta.

Prefiro a dor constante de uma vida que falta, que a conformidade mórbida de aceitar o não viver.

Tudo vai acabar. Todos irão partir. E você vai sentir falta. Porque é só isso que o não viver te dá, ausência. Se você olhar para trás já vai encontrar diversos momentos em que poderia ter estado lá, com alguém, por alguém. Vai se arrepender de muitas coisas não ditas, ou às vezes mal ditas. Vai lamentar não ter chegado perto. Vai sentir saudades do último abraço que nunca aconteceu.

O último abraço só acontece se você abraçar todos os dias, porque você jamais saberá quando vai ser o último dia...

Escolha a vida, o não viver torna vazios os corações. E um coração vazio não entende o significado de sermos todos um único ser.

Eu estou aqui, pena que você não vai me ler se eu não te pedir (e talvez nem assim). Pena que me ler não muda quem eu sou para você.

Eu não sou as milhares de coisas que escrevi. Eu sou aquele que as escreveu sozinho...

sábado, 19 de outubro de 2024

Achei que eu era o vento no alto de uma montanha

a soprar belezas ao mundo em uma sinfonia desconexa.

Descobri que sou a chuva,

que todos querem que pare para não incomodar.

 

Achei que eu era poesia, cheio de palavras infinitas,

mas descobri que sou um tolo que escreve poemas para fingir não sofrer.

Aquela sensação no peito e atrás dos olhos fica escondida,

e vazio, fico só ao lado de mim mesmo me fazendo pouca companhia.

 

Até aqui acreditei estar vivo e pleno de criação

mas me percebi estático diante de um espelho quebrado

me vendo nas fissuras que rasgam o meu coração

 

escondido, esquecido, enfraquecido e dilacerado

deixando apenas lama ao parar de chover,

deixando apenas tempo ao esquecer de existir...

quinta-feira, 17 de outubro de 2024

quando os escritores choram

Só há uma coisa capaz de levar um escritor a chorar, é quando as palavras não existem mais... antes acreditávamos poder conquistar o mundo, mas sempre há aquele momento em que o mundo parece jogado para fora de si e as palavras, ah as palavras, ainda escorrem como lágrimas amargas sem força para mudar o tempo e torná-lo real, pois para onde vamos, existe apenas o imaginado momento em que o amor acontece.

Nós escritores ensinamos a nós mesmos que temos palavras capazes de mudar o mundo, de conhecer a verdade da vida, palavras o suficiente para arquitetar universos. Deslizamos na beleza do que acreditamos ser e, há sempre o dia em que percebemos que nossas palavras sequer são capazes de nos trazer um abraço confortável. Quando jovens, amamos a solidão que nos enche de palavras, mas com o tempo aprendemos que ela nos esvazia de vida.

Ah escritor, cujos versos possuem várias linhas e nem parecem poesia, escorrida de seu ser, acalentada em si mesmo por não ter um ombro para se encostar, por não ter uma mão para segurar a sua, ainda que por um pequeno momento. Não há olhos nos olhos, não há sorrisos sem motivos, não há mimos, não há delicadeza nas almas; pois tudo o que existe é um tempo quebrado em que a poesia se dissipou de nossas almas.

Acorda-me com uma flor. Me faz dormir com um beijo na face. Caminha ao meu lado, ouvindo os meus passos. Respira o mesmo ar que eu. Canta comigo uma canção, ainda que mal cantada. Toma um chá ao meu lado ao nascer do sol. Dança comigo, mesmo que não saibamos dançar. Lê meus poemas, ainda que tristes. Repete filmes comigo para não precisarmos prestar atenção na história e podermos fofocar. Leva-me ali, só para me levar a algum lugar...

Seca minhas lágrimas se as vir, ou escuta as minhas palavras, que talvez seja o mais perto das lágrimas que possas chegar. Ouve o meu silêncio, muito mais do que as minhas palavras, porque é apenas no silêncio que consegue bater o coração de um escritor. Porque quando escrevemos estamos mortos, sendo poeira de palavras, caminho para histórias que precisam ser contadas. Vivemos apenas se pudermos amar.

Ouve comigo uma canção melancólica e escuta os meus olhos quando olharem para o nada, mergulhando em meu coração imenso e cheio do caos da criação. Leva-me ao teu lado, ainda que eu esteja chato, silencioso ou falante demais. Me convida para tua casa ou para os lugares que mais gosta. Me apresenta seus desejos e suas paixões, porque se eu não sei viver, talvez queira assistir-te enquanto vive.

Secamos as lágrimas que nunca caíram com os dedos batendo nas teclas ou deslisando sobre o papel. E quando o peito se torna pequeno o papel fica áspero e as teclas duras demais. E sempre acreditamos que esta é a última vez em que a solidão vai nos derrubar. E sempre estamos enganados porque vocês, do outro lado, amam a vida que não temos e se esquecem de ler os nossos gritos sufocados embaixo do que nunca será dito por nós.

Nunca seremos a melhor companhia, somos escritores. Nunca seremos os mais belos. Nunca seremos os mais ricos. Nunca seremos os mais interessantes. Não roubamos beijos, não sabemos conquistar, não conseguimos, muitas vezes, sequer causar boas impressões. Porque somos impressos em palavras, quase sempre esquecidas e diluídas no meio de tanta loucura brilhante e atraente espalhada nesse mundo louco.

Dá-me um caderno, de preferência sem linhas para que as palavras fiquem soltas. Lê para mim um poema ou me pede para ler para você. Ou só copia um versinho e me manda como mensagem, sem motivo, só porque o poema existe e eu também. E porque te lembras de mim. Se te lembrares. Me conta o teu cheiro, para isso me deixa chegar perto. Depois escuta as palavras que o teu cheiro meu causou.

Eu mostro os meus poemas a quem quiser ler. Eu envio os meus roteiros pelos quatro cantos. Escrevo teorias que quero espalhar pelo mundo. Minhas palavras são jogadas ao vento para não serem minhas nem por um instante. Mas se vistes as minhas lágrimas, aquelas que saem dos olhos não em forma de palavras, acredita, eras o universo inteiro para mim naquele momento. E eu não soube te dizer isso.

Me abraça após ler esse poema, ou dize-me que me ama, mesmo que seja mentira. Escritores são bobos e acreditam em palavras. Janta comigo na minha velha casa, que nem é minha. Acende uma vela cheirosa e vou acreditar que o paraíso existe. Mesmo que te vás logo em seguida, sou bobo, não sei a diferença entre a eternidade e um único momento. Então, dá-me momentos, ainda que pequenos demais.

Sou tão fugaz quanto uma lágrima solitária que corre e desaparece sem ser vista. Fugaz como uma palavra pensada sem ser dita ou escrita. Meu fogo não precisa queimar por bilhares de anos, não sou um sol; meu fogo só precisa queimar ao lado ao teu por um único instante, porque sou palavra, menor que uma respiração. Sente meu peito respirar fundo, escuta meu olhar que mira o chão. Olha-me como se eu existisse.

Só há uma coisa capaz de levar um escritor a chorar. É quando ele percebe que tem palavras demais e nenhuma vida. Mas estupidamente talvez chore em palavras, como faço agora. Costumamos precisar de dezenas ou centenas de páginas para dizer: ajuda-me. O que certamente não será compreendido porque nos sufocamos de palavras e histórias e nos tornamos uma sombra ofuscada de vida inerte e ilusão contínua.

Mas escritores não são eternos? Ora, se pensarmos que já estamos mortos, não há como morrermos mais uma vez. Talvez por isso as palavras possam cortar o tempo e não sucumbir à eternidade, porque já sucumbiu o escritor. Não quero a eternidade, dá-me apenas um minuto de amor, ainda que de mentira; dá-me um abraço, um beijo, uma flor... dá-me uma palavra apenas, que te darei a minha vida inteira.

A solidão me esvazia. As palavras me preenchem. A eternidade rouba a minha vida. A poesia tenta manter-me vivo. E já não há mais o que ser escrito, mas meu coração pede que eu não pare, para que ele não precise escutar-se bater e saber que não será ouvido. Olha-me, estou aqui. Pequeno suspiro de poesia onde o mundo não alcança. Mas é preciso manter viva a esperança, ainda que sobre as carcaças invisíveis dos escritores esquecidos.

Desculpa-me por um poema tão melancólico. Não estou a pedir-te nada, apenas me enganei e me permiti pensar que seria ouvido. A felicidade de um escritor é assim, feita de pequenos momentos de ilusão construída. Talvez eu seja humano se retirar as camadas de palavras. Mas elas não saem. Acho que é hora de encerrar esse momento e voltar à companhia do delicado e feroz silêncio da solidão...

domingo, 6 de outubro de 2024

À Deriva

Então ele... desata as cordas e recolhe as velas

deixando que o ar não seja mais capturado

no velho dorso das velas cansadas

levemente rasgadas de enfrentar furacões

e continuamente mover o pequeno barco

ao contínuo encontro de ondas ferozes.

 

Um pescador cansado parou de arremessar a linha

que aprendeu a jogar ainda garoto

para se conectar com a vida que girava à sua volta

vida que nunca quis olhar sobre o barco feio

de madeira antiga e pintura não muito aprimorada.

 

Ele pescou muitos olhos, muitos sorrisos, muitos abraços,

pescou amores e paixões, amigos e companheiros

mas sempre se sentiu sobre o barco

protegido, ou isolado, onde linhas nunca foram jogadas...

 

hoje ele veleja só, sem ser empurrado pelo vento,

com ombros doloridos para ainda lançar linhas

abatido, nunca requisitado como amigo, apenas como pescador.

 

Nunca notado, nunca lembrado, ele ergueu-se sobre o velho barco, ao pôr do sol

viu pararem as ondas e o oceano tornou-se melancolia...

 

e verso a verso o pescador de palavras se recolheu à solidão.