Só há uma coisa capaz de levar um
escritor a chorar, é quando as palavras não existem mais... antes acreditávamos
poder conquistar o mundo, mas sempre há aquele momento em que o mundo parece
jogado para fora de si e as palavras, ah as palavras, ainda escorrem como
lágrimas amargas sem força para mudar o tempo e torná-lo real, pois para onde
vamos, existe apenas o imaginado momento em que o amor acontece.
Nós escritores ensinamos a nós
mesmos que temos palavras capazes de mudar o mundo, de conhecer a verdade da
vida, palavras o suficiente para arquitetar universos. Deslizamos na beleza do
que acreditamos ser e, há sempre o dia em que percebemos que nossas palavras sequer
são capazes de nos trazer um abraço confortável. Quando jovens, amamos a
solidão que nos enche de palavras, mas com o tempo aprendemos que ela nos
esvazia de vida.
Ah escritor, cujos versos possuem
várias linhas e nem parecem poesia, escorrida de seu ser, acalentada em si
mesmo por não ter um ombro para se encostar, por não ter uma mão para segurar a
sua, ainda que por um pequeno momento. Não há olhos nos olhos, não há sorrisos
sem motivos, não há mimos, não há delicadeza nas almas; pois tudo o que existe
é um tempo quebrado em que a poesia se dissipou de nossas almas.
Acorda-me com uma flor. Me faz dormir
com um beijo na face. Caminha ao meu lado, ouvindo os meus passos. Respira o
mesmo ar que eu. Canta comigo uma canção, ainda que mal cantada. Toma um chá ao
meu lado ao nascer do sol. Dança comigo, mesmo que não saibamos dançar. Lê meus
poemas, ainda que tristes. Repete filmes comigo para não precisarmos prestar
atenção na história e podermos fofocar. Leva-me ali, só para me levar a algum
lugar...
Seca minhas lágrimas se as vir,
ou escuta as minhas palavras, que talvez seja o mais perto das lágrimas que possas
chegar. Ouve o meu silêncio, muito mais do que as minhas palavras, porque é
apenas no silêncio que consegue bater o coração de um escritor. Porque quando
escrevemos estamos mortos, sendo poeira de palavras, caminho para histórias que
precisam ser contadas. Vivemos apenas se pudermos amar.
Ouve comigo uma canção
melancólica e escuta os meus olhos quando olharem para o nada, mergulhando em
meu coração imenso e cheio do caos da criação. Leva-me ao teu lado, ainda que
eu esteja chato, silencioso ou falante demais. Me convida para tua casa ou para
os lugares que mais gosta. Me apresenta seus desejos e suas paixões, porque se
eu não sei viver, talvez queira assistir-te enquanto vive.
Secamos as lágrimas que nunca caíram
com os dedos batendo nas teclas ou deslisando sobre o papel. E quando o peito
se torna pequeno o papel fica áspero e as teclas duras demais. E sempre
acreditamos que esta é a última vez em que a solidão vai nos derrubar. E sempre
estamos enganados porque vocês, do outro lado, amam a vida que não temos e se
esquecem de ler os nossos gritos sufocados embaixo do que nunca será dito por
nós.
Nunca seremos a melhor companhia,
somos escritores. Nunca seremos os mais belos. Nunca seremos os mais ricos. Nunca
seremos os mais interessantes. Não roubamos beijos, não sabemos conquistar, não
conseguimos, muitas vezes, sequer causar boas impressões. Porque somos
impressos em palavras, quase sempre esquecidas e diluídas no meio de tanta
loucura brilhante e atraente espalhada nesse mundo louco.
Dá-me um caderno, de preferência
sem linhas para que as palavras fiquem soltas. Lê para mim um poema ou me pede
para ler para você. Ou só copia um versinho e me manda como mensagem, sem
motivo, só porque o poema existe e eu também. E porque te lembras de mim. Se te
lembrares. Me conta o teu cheiro, para isso me deixa chegar perto. Depois escuta
as palavras que o teu cheiro meu causou.
Eu mostro os meus poemas a quem
quiser ler. Eu envio os meus roteiros pelos quatro cantos. Escrevo teorias que
quero espalhar pelo mundo. Minhas palavras são jogadas ao vento para não serem
minhas nem por um instante. Mas se vistes as minhas lágrimas, aquelas que saem
dos olhos não em forma de palavras, acredita, eras o universo inteiro para mim
naquele momento. E eu não soube te dizer isso.
Me abraça após ler esse poema, ou
dize-me que me ama, mesmo que seja mentira. Escritores são bobos e acreditam em
palavras. Janta comigo na minha velha casa, que nem é minha. Acende uma vela
cheirosa e vou acreditar que o paraíso existe. Mesmo que te vás logo em
seguida, sou bobo, não sei a diferença entre a eternidade e um único momento. Então,
dá-me momentos, ainda que pequenos demais.
Sou tão fugaz quanto uma lágrima
solitária que corre e desaparece sem ser vista. Fugaz como uma palavra pensada
sem ser dita ou escrita. Meu fogo não precisa queimar por bilhares de anos, não
sou um sol; meu fogo só precisa queimar ao lado ao teu por um único instante, porque
sou palavra, menor que uma respiração. Sente meu peito respirar fundo, escuta
meu olhar que mira o chão. Olha-me como se eu existisse.
Só há uma coisa capaz de levar um
escritor a chorar. É quando ele percebe que tem palavras demais e nenhuma vida.
Mas estupidamente talvez chore em palavras, como faço agora. Costumamos precisar
de dezenas ou centenas de páginas para dizer: ajuda-me. O que certamente não será
compreendido porque nos sufocamos de palavras e histórias e nos tornamos uma
sombra ofuscada de vida inerte e ilusão contínua.
Mas escritores não são eternos? Ora,
se pensarmos que já estamos mortos, não há como morrermos mais uma vez. Talvez por
isso as palavras possam cortar o tempo e não sucumbir à eternidade, porque já
sucumbiu o escritor. Não quero a eternidade, dá-me apenas um minuto de amor,
ainda que de mentira; dá-me um abraço, um beijo, uma flor... dá-me uma palavra
apenas, que te darei a minha vida inteira.
A solidão me esvazia. As palavras
me preenchem. A eternidade rouba a minha vida. A poesia tenta manter-me vivo. E
já não há mais o que ser escrito, mas meu coração pede que eu não pare, para
que ele não precise escutar-se bater e saber que não será ouvido. Olha-me,
estou aqui. Pequeno suspiro de poesia onde o mundo não alcança. Mas é preciso
manter viva a esperança, ainda que sobre as carcaças invisíveis dos escritores
esquecidos.
Desculpa-me por um poema tão
melancólico. Não estou a pedir-te nada, apenas me enganei e me permiti pensar
que seria ouvido. A felicidade de um escritor é assim, feita de pequenos
momentos de ilusão construída. Talvez eu seja humano se retirar as camadas de
palavras. Mas elas não saem. Acho que é hora de encerrar esse momento e voltar
à companhia do delicado e feroz silêncio da solidão...