sábado, 19 de outubro de 2024

Achei que eu era o vento no alto de uma montanha

a soprar belezas ao mundo em uma sinfonia desconexa.

Descobri que sou a chuva,

que todos querem que pare para não incomodar.

 

Achei que eu era poesia, cheio de palavras infinitas,

mas descobri que sou um tolo que escreve poemas para fingir não sofrer.

Aquela sensação no peito e atrás dos olhos fica escondida,

e vazio, fico só ao lado de mim mesmo me fazendo pouca companhia.

 

Até aqui acreditei estar vivo e pleno de criação

mas me percebi estático diante de um espelho quebrado

me vendo nas fissuras que rasgam o meu coração

 

escondido, esquecido, enfraquecido e dilacerado

deixando apenas lama ao parar de chover,

deixando apenas tempo ao esquecer de existir...

quinta-feira, 17 de outubro de 2024

quando os escritores choram

Só há uma coisa capaz de levar um escritor a chorar, é quando as palavras não existem mais... antes acreditávamos poder conquistar o mundo, mas sempre há aquele momento em que o mundo parece jogado para fora de si e as palavras, ah as palavras, ainda escorrem como lágrimas amargas sem força para mudar o tempo e torná-lo real, pois para onde vamos, existe apenas o imaginado momento em que o amor acontece.

Nós escritores ensinamos a nós mesmos que temos palavras capazes de mudar o mundo, de conhecer a verdade da vida, palavras o suficiente para arquitetar universos. Deslizamos na beleza do que acreditamos ser e, há sempre o dia em que percebemos que nossas palavras sequer são capazes de nos trazer um abraço confortável. Quando jovens, amamos a solidão que nos enche de palavras, mas com o tempo aprendemos que ela nos esvazia de vida.

Ah escritor, cujos versos possuem várias linhas e nem parecem poesia, escorrida de seu ser, acalentada em si mesmo por não ter um ombro para se encostar, por não ter uma mão para segurar a sua, ainda que por um pequeno momento. Não há olhos nos olhos, não há sorrisos sem motivos, não há mimos, não há delicadeza nas almas; pois tudo o que existe é um tempo quebrado em que a poesia se dissipou de nossas almas.

Acorda-me com uma flor. Me faz dormir com um beijo na face. Caminha ao meu lado, ouvindo os meus passos. Respira o mesmo ar que eu. Canta comigo uma canção, ainda que mal cantada. Toma um chá ao meu lado ao nascer do sol. Dança comigo, mesmo que não saibamos dançar. Lê meus poemas, ainda que tristes. Repete filmes comigo para não precisarmos prestar atenção na história e podermos fofocar. Leva-me ali, só para me levar a algum lugar...

Seca minhas lágrimas se as vir, ou escuta as minhas palavras, que talvez seja o mais perto das lágrimas que possas chegar. Ouve o meu silêncio, muito mais do que as minhas palavras, porque é apenas no silêncio que consegue bater o coração de um escritor. Porque quando escrevemos estamos mortos, sendo poeira de palavras, caminho para histórias que precisam ser contadas. Vivemos apenas se pudermos amar.

Ouve comigo uma canção melancólica e escuta os meus olhos quando olharem para o nada, mergulhando em meu coração imenso e cheio do caos da criação. Leva-me ao teu lado, ainda que eu esteja chato, silencioso ou falante demais. Me convida para tua casa ou para os lugares que mais gosta. Me apresenta seus desejos e suas paixões, porque se eu não sei viver, talvez queira assistir-te enquanto vive.

Secamos as lágrimas que nunca caíram com os dedos batendo nas teclas ou deslisando sobre o papel. E quando o peito se torna pequeno o papel fica áspero e as teclas duras demais. E sempre acreditamos que esta é a última vez em que a solidão vai nos derrubar. E sempre estamos enganados porque vocês, do outro lado, amam a vida que não temos e se esquecem de ler os nossos gritos sufocados embaixo do que nunca será dito por nós.

Nunca seremos a melhor companhia, somos escritores. Nunca seremos os mais belos. Nunca seremos os mais ricos. Nunca seremos os mais interessantes. Não roubamos beijos, não sabemos conquistar, não conseguimos, muitas vezes, sequer causar boas impressões. Porque somos impressos em palavras, quase sempre esquecidas e diluídas no meio de tanta loucura brilhante e atraente espalhada nesse mundo louco.

Dá-me um caderno, de preferência sem linhas para que as palavras fiquem soltas. Lê para mim um poema ou me pede para ler para você. Ou só copia um versinho e me manda como mensagem, sem motivo, só porque o poema existe e eu também. E porque te lembras de mim. Se te lembrares. Me conta o teu cheiro, para isso me deixa chegar perto. Depois escuta as palavras que o teu cheiro meu causou.

Eu mostro os meus poemas a quem quiser ler. Eu envio os meus roteiros pelos quatro cantos. Escrevo teorias que quero espalhar pelo mundo. Minhas palavras são jogadas ao vento para não serem minhas nem por um instante. Mas se vistes as minhas lágrimas, aquelas que saem dos olhos não em forma de palavras, acredita, eras o universo inteiro para mim naquele momento. E eu não soube te dizer isso.

Me abraça após ler esse poema, ou dize-me que me ama, mesmo que seja mentira. Escritores são bobos e acreditam em palavras. Janta comigo na minha velha casa, que nem é minha. Acende uma vela cheirosa e vou acreditar que o paraíso existe. Mesmo que te vás logo em seguida, sou bobo, não sei a diferença entre a eternidade e um único momento. Então, dá-me momentos, ainda que pequenos demais.

Sou tão fugaz quanto uma lágrima solitária que corre e desaparece sem ser vista. Fugaz como uma palavra pensada sem ser dita ou escrita. Meu fogo não precisa queimar por bilhares de anos, não sou um sol; meu fogo só precisa queimar ao lado ao teu por um único instante, porque sou palavra, menor que uma respiração. Sente meu peito respirar fundo, escuta meu olhar que mira o chão. Olha-me como se eu existisse.

Só há uma coisa capaz de levar um escritor a chorar. É quando ele percebe que tem palavras demais e nenhuma vida. Mas estupidamente talvez chore em palavras, como faço agora. Costumamos precisar de dezenas ou centenas de páginas para dizer: ajuda-me. O que certamente não será compreendido porque nos sufocamos de palavras e histórias e nos tornamos uma sombra ofuscada de vida inerte e ilusão contínua.

Mas escritores não são eternos? Ora, se pensarmos que já estamos mortos, não há como morrermos mais uma vez. Talvez por isso as palavras possam cortar o tempo e não sucumbir à eternidade, porque já sucumbiu o escritor. Não quero a eternidade, dá-me apenas um minuto de amor, ainda que de mentira; dá-me um abraço, um beijo, uma flor... dá-me uma palavra apenas, que te darei a minha vida inteira.

A solidão me esvazia. As palavras me preenchem. A eternidade rouba a minha vida. A poesia tenta manter-me vivo. E já não há mais o que ser escrito, mas meu coração pede que eu não pare, para que ele não precise escutar-se bater e saber que não será ouvido. Olha-me, estou aqui. Pequeno suspiro de poesia onde o mundo não alcança. Mas é preciso manter viva a esperança, ainda que sobre as carcaças invisíveis dos escritores esquecidos.

Desculpa-me por um poema tão melancólico. Não estou a pedir-te nada, apenas me enganei e me permiti pensar que seria ouvido. A felicidade de um escritor é assim, feita de pequenos momentos de ilusão construída. Talvez eu seja humano se retirar as camadas de palavras. Mas elas não saem. Acho que é hora de encerrar esse momento e voltar à companhia do delicado e feroz silêncio da solidão...

domingo, 6 de outubro de 2024

À Deriva

Então ele... desata as cordas e recolhe as velas

deixando que o ar não seja mais capturado

no velho dorso das velas cansadas

levemente rasgadas de enfrentar furacões

e continuamente mover o pequeno barco

ao contínuo encontro de ondas ferozes.

 

Um pescador cansado parou de arremessar a linha

que aprendeu a jogar ainda garoto

para se conectar com a vida que girava à sua volta

vida que nunca quis olhar sobre o barco feio

de madeira antiga e pintura não muito aprimorada.

 

Ele pescou muitos olhos, muitos sorrisos, muitos abraços,

pescou amores e paixões, amigos e companheiros

mas sempre se sentiu sobre o barco

protegido, ou isolado, onde linhas nunca foram jogadas...

 

hoje ele veleja só, sem ser empurrado pelo vento,

com ombros doloridos para ainda lançar linhas

abatido, nunca requisitado como amigo, apenas como pescador.

 

Nunca notado, nunca lembrado, ele ergueu-se sobre o velho barco, ao pôr do sol

viu pararem as ondas e o oceano tornou-se melancolia...

 

e verso a verso o pescador de palavras se recolheu à solidão.