sábado, 2 de agosto de 2025

O Datilógrafo

Tac tac tac tarara tactactactac tarara tac tac tactactactac tara tarararara tac tac tac tac... E enfim chega o fim do dia que não passa de um dia tac tac tarara tactac. Bom, o datilógrafo faz datilografia todo dia que se anuncia dia de datilografia. Ele tem as palavras, muitas e muitas palavras que datilografa sem travas porque são suas as palavras palavreadas de sua mente e coração. Tac tac tarara tactac.

E pela rua como uma criança nua de compreensão ele segue sem a companhia da lua que hoje não apareceu pegou em sua mão, uma mão vazia de outra mão ou da coleira de um cão ou de uma sacola ou de uma bola ou um ticket refeição. Seus dedos ainda se mexem no movimento infinito do tac tac tarara tactac.

Ele chega ligeiro em casa, ninguém o para no caminho nenhum amigo pois amigos não há para quem tac tac tarara tactac durante todo o dia grafando a magia de tudo o que não existiria sem a sua datilografia que reescreve a teoria da existência do que seria a vida que existiria se palavras não houvessem não.

Em casa de barriga não vazia após uma solitária refeição sua mão acalmada do tac tac tarara tactac percebe uma melodia escassa e esguia que dança sem afeição ao lado de um tempo sem alento repleto de solidão que quebra e fere a memória sem nada para memoriar porque não há o que comemorar quando se comemora sozinho qualquer criação o que agita sua pequena mão e a outra mão segue a sentença das palavras que vagueiam em sua mente intensas por ser um criador e constantes por ser amado apenas pelas paredes silenciosas da sua prisão.

Sentado e de coração encaixotado ele olha para o lado sentindo o tremor de sua mão e sua vida vazia o lembra da datilografia, sua única escolha e opção e então é que começa o dia mesmo já não sendo dia e as palavras se tornam um som repetido e infinito de tac tac tac tararara tactac tac tac tarara tac tactac tac tarararatatac tac tarara tac ta tara tac tactac taratac tarara tactactactac tarara tactac tactararara tactac tara tac tara tac ta ra ra ra tac ta tac ta...

Não ele não morreu, adormeceu? Adoeceu? Se esqueceu de si? Ou tem apenas palavras demais para continuar a respirar e se recusa a datilografar não por poder recusar mas por já não mais suportar tanto tac tac tarara tactac como as batidas de seu coração que não compreende a condição de uma vida vazia na datilografia que escreve e fia a linha fininha da evolução que é contada amontoada e planejada em um montão de palavras que surgem da mão que só faz tac tac tarara tactac para substituir ou sufocar o som das palavras surdas nunca ditas por uma mente em ebulição que precisa muitas vezes ouvir e ouvir e ouvir mas nada é dito a quem é deixado guardado na casa ao lado sentado diante da velha máquina de escrever porque não importa que a sua vida esteja morta já que tudo vai reviver em uma folha lotada de letras amontoadas.

Vivam amigos do datilógrafo já que ele tac tac tarara tactac para que tudo exista a vocês e seus sorrisos e esperanças possam ser alimentados e não abandonados já que precisam de palavras amontoadas para construir seus desejos e alimentar a sua ambição criativa e certos estão quando não o tiram de seu quadrado afinal o que não for datilografado não existirá e o datilógrafo nunca importará mais do que suas palavras gravadas no branco vazio de uma vida que ele nunca viu acontecer.

Mas por que ele não diz “oh estou aqui”? Ele diz em tac tac tarara tactac mas isso é o que todos querem então ele tem que dizer mais e ficar mais lá e dizer mais e ficar mais lá par que todos fiquem felizes e ele mesmo já disse fora da datilografia mas viu que não adiantaria implorar por afeição e ter que explicar e explicar e explicar mil vezes como se sente um homem das palavras porque de tanto tac tac tarara tactac ele aprendeu que sentimentos não se explicam, eles precisam ser observados e compreendidos e se ninguém o compreende é porque ninguém o observa e para quem não observa até compreender explicar não faz sentido afinal não é um humano ali apenas dedos que tac tac tarara tactac com precisão.

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O datilógrafo já sente a tempo seus dedos doerem não mais que sua emoção de não ser buscado ao lado dos leitores e existidores na vida que existe por suas palavras tac tac.

Os parágrafos ficam mais curtos e as mãos mais geladas de tanto tac tac sozinhas.

Tac tac tarara tactac tem conhecimento demais nessas palavras.

Tac tac tarara tactac também tem melancolia.

Tac tac tarara tactac existe criação.

Tac tac tarara tactac vida não há.

Tac tac tarara tactac eu...

Tactac tarara tactac...

Tac tac tarara tactac.

Tac.

Tac.

Tac.

Ta.

T.

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