quarta-feira, 22 de maio de 2024

Ode à felicidade

Do que vale a vida se você se alimentar de dias tristes?

Reparou as flores em seu caminho ou preferiu prestar atenção na buzina dos carros, nos barulhos, fumaça e motos apressadas no corredor?

Viu os pássaros voando pelo céu (e acredite, eles voam todos os dias) ou preferiu se ater ao lixo no chão que suja o seu caminho?

Gostou do caminho ou se prendeu ao cansaço de andar? O tempo gasto de um lugar ao outro não é gasto, é vivido. Se é vivido, pode ser aproveitado.

Por que se alimentar de dias tristes? Pensar neles infinita e repetidamente, sentir os sentimentos que eles lhe oferecem em detrimento dos seus. Como é a vida se vivida de forma árdua e sem alegria? Não é vida, é uma corrida para se esconder de si mesmo.

Tantos são aqueles que parecem bons e interessantes ao seu olhar treinado pelo mundo. Ricos, fortes, belos (uma beleza predeterminada pela mídia, é claro); pessoas que consomem, falam o que foram programados, vestem-se de etiquetas que demarcam seu poder de consumo, dirigem carros velozes, cuja velocidade máxima é inútil. Comem em lugares caros porque não sabem cozinhar. Acho que aprendemos a nos perder do que é verdadeiramente real, um chopp na feira sem compromisso, um amigo que paga mais da metade da conta só porque está ali, uma folga forçada no meio da tarde, um único pedaço de bolo que atravessou quinze quilômetros até você. Coisas comuns, de pessoas comuns, que parecem pequenas aos amantes do dinheiro. Pobres são eles que sofrem ao lado de pessoas de almas pobres e vazias de beleza.

Eu me lembro das flores brancas na frente da minha casa e não dos carros que passam correndo. Eu me lembro do cheiro das pessoas e não de quanto tinham na carteira (até porque poderiam não ter nada), eu me lembro dos sorrisos, e não do que vestiam... e dos meus dias mais terríveis, prefiro não me lembrar da dor, mas dos pássaros que vieram em um lugar impróprio a eles, mas vieram para me ajudar a desvendar o véu da arte do futuro. Vieram porque eu precisei que viessem, sem pedir nada, sem oferecer nada.

Títulos, posses, status, riqueza; de nada servem se meus dias não são plenamente felizes. E por plenamente eu afirmo que até os dias tristes têm a sua felicidade porque ali, na tristeza, sabemos quem somos e o que realmente vale apena.

Você trabalha demais para juntar dinheiro? Você faz o que não quer porque lhe parece preciso? Você se cerca de pessoas influentes? Que pena, eu trabalho muito, mas folgo muito, e amo o que faço. E só faço o que quero porque não há nada melhor que ser feliz todos os dias. Me cerco de amigos maravilhosos que não precisam influenciar ninguém. A tristeza, quando vem, é menor que a alegria da vida.

Ao acordar não temo o dia que virá, porque sei que ele virá repleto de maravilhas, pequenas, sutis e delicadas. Como a vida, tão delicada como um grão de poeira, mas é tudo o que move o universo.

Do que vale a vida se você se alimentar de dias tristes? Do que vale a vida se o seu cansaço for o pagamento pelo seu dia? Do que vale a vida se suas lágrimas forem a sua certeza? Do que vale a vida se o seu amor machuca?  Do que vale a vida se tudo o que você faz não te faz feliz?

O que é a vida fora da felicidade?

O que é uma vida cujo passar silencioso do tempo é tudo o que esperamos, para que ela passe rápido? Não é uma vida, claro. É um desperdiçar-se de si mesmo como migalhas deixadas em um caminho do qual a única lembrança é a escuridão.

E como queremos uma felicidade que nunca passe, mas aí está o segredo, o vai e vem da felicidade nos move e nos torna vivos e felizes. Claro que muitos ‘lugares’ oferecem descansos, retiros, renascimentos, tudo a 5 ou 7 mil por um final de semana. Ora, felicidade só para ricos? Ou quase ricos... isso não passaria de felicidade roubada e ela não faz feliz o ladrão.

A felicidade só existe se compartilhada, ainda que com uma única palavra ou um pequeno toque ou gesto.

A felicidade só acontece quando sabemos exatamente quem somos e, principalmente, quem não somos.

Ser feliz é não precisar ser feliz. É não buscar a felicidade em momentos de alívio, na loucura, nas festas infindas, nas compras imensas, nas fugas que são confundidas com viagens; e nos amigos que só estão ao nosso lado quando fugimos, pois também estão fugindo e só querem alimentar sua máquina de fuga.

Ser feliz é precisar de si mesmo, na essência sutil de cada dia. É estar ao lado de quem não nos oferece nada, porque não precisa oferecer, só a sua existência já nos basta.

Ser feliz é soltar as partes que foram acopladas a nós, mas não fazem parte do nosso eu, são apenas um fardo que nos prende para que não partamos com o vento.

Ser feliz é vencer o medo que nos afasta de nossa essência e, sem medo, nos jogar ao vento insano do precipício, onde a queda é o simples e puro movimento da vida. Afinal, chegamos ao chão no mesmo dia e no mesmo horário, não importa o caminho que tomemos. A escolha nos dá o direito de descer livres e com o vento no rosto, ou de descer arrastando e agarrados às pedras, com as mãos feridas e cheias de dor.

Fomos todos presos em jaulas de significado e regras. Temos muito medo de sair pois as jaulas parecem ser tudo o que existe. Mas, há algo interessante sobre isso: o medo acaba quando saímos.

Do que vale a vida se você se alimentar de dias tristes? Quando você tem a oportunidade de inundar-se de dias felizes.

Ame o frescor do tempo, respire a leveza da vida, abrace, sorria, caminhe ao lado, só faça o que te faz feliz, ame a todas as pessoas do mundo, mas só caminhe ao lado das que podem te amar. Crie. Cresça. Erre e aprenda feliz. Sonhe. Realize. Sinta o coração acelerar de paixão ao realizar. E só faça aquilo que o acelera. Escute a vida, ela canta o tempo todo uma bela canção. Respire o tempo, ele te preenche de vida. Troque a grandeza pela simplicidade, pois grande é aquele que precisa de pouco. Passeie ao lado de alguém, mesmo que sem motivo. Ouça os convites sutis e delicados. Abra os convites e olhe para a estrada à sua frente, que eles trazem. Segure uma mão, ainda que seja estranha ou pobre. Inspire o ar da vida e expire felicidade, que contagia. Inspire mais uma vez... e mais outra... e mais outra... e mais outra...

Há um presente dentro de você, que só cabe a você abrir, a felicidade.

Do que vale a vida sem a felicidade? Preciso rir se você achar que isso é algum tipo de vida. Se escolhemos viver, escolhemos ser felizes. Abrace-se. Ame-se. Viva-se.

Eu te desejo toda a felicidade do mundo. Não a tema. Ela é um direito seu.

terça-feira, 21 de maio de 2024

Apenas uma lição

 Muitas vezes ele disse que eu falava muito,

(que eu era muito ‘prosa’),

então, tome aí um poema em prosa... meu pai foi um homem pequeno, baixinho mesmo, magrinho, do tipo que dormia no meio do mato com animais perigosos, mas tinha medo de médico. Vai se entender. Na verdade era fácil compreender seu pensar e agir, eram bem simples e, até, limitados. Comia, bebia, dormia, vivia cada dia esperando o próximo e se lembrando do anterior. Contava muitas histórias sobre o que passou e não tinha muita criatividade para pensar o que viria. Me defenderia com a própria vida se eu tivesse precisado, nunca precisei, nem ele de mim nesse sentido, por sorte da vida nunca nos oferecemos essa proteção. Nem nunca nos oferecemos uma canção apesar dele cantar calango e eu nunca ter aprendido. Sempre se preocupou se eu estava ganhando dinheiro o suficiente e, quando eu não estava, nunca contei. Seu senso de humor era, digamos, expansivo demais; fazia piada com tudo e com todos, muitas vezes inoportunas... algumas pessoas vão dizer que, bem, eu herdei isso. Não posso negar que gosto de uma piada, mas posso negar que sejam inoportunas (mesmo que todos que conheço contestem isso). Um homem baixinho, trabalhador, meio confuso, às vezes bruto e insensível, mas sempre presente querendo dar presente se pudesse (inclusive fez questão de dar um presente à minha mãe na sua última semana). Acho que ele parou de entender o que eu falava e pensava, sei lá, quando eu tinha nove ou dez anos; se bem que ele não foi o único a passar por isso. Tentou me ensinar a fazer balaios de taquara (são cestos artesanais), mas eu nunca aprendi, minhas habilidades manuais são péssimas. Tentou me ensinar a trabalhar na roça, com a terra, mas eu nunca tive interesse em aprender. Nunca me ensinou a fazer o dever de casa, acho que não conseguiria, mas eu nunca pedi, nem a ele nem a ninguém. Não éramos muito de pedir ajuda, nisso acho que nos parecíamos bastante. Sempre teve orgulho do meu desempenho nos estudos, e quando passei para a universidade pública contou para o bairro inteiro, mesmo sem entender que curso eu fazia. Pode parecer que ele não poderia me ensinar muitas coisas; em sua defesa, quase ninguém pode mesmo, eu estou sempre correndo atrás de conhecimento e assumo que é difícil me acompanhar... mas há quem acompanhe... ah corridas, o velhinho magrelo que ganhava corridas morro acima aos sessenta anos. Nunca apostamos uma corrida, eu e ele, nunca apostamos nada, não disputávamos. Eu o compreendia, e isso bastava. Ele me aceitava sem compreender, e isso também bastava. Mas ele me ensinou uma coisa, usava muito uma frase quando eu era criança: “a palavra de um rei não volta atrás”. Bom, confesso que nunca fui a favor de reis ou absolutismos, sou feroz em defesa da liberdade e da queda das hierarquias. Mas a ideia de assumir o dito como compromisso quase sagrado me afeiçoava. Hoje, gostem ou não de mim, as pessoas sabem que eu cumpro a minha palavra. Eu cresci dando muita importância a isso. O que me faz não mentir, porque eu não preciso. Gosto de dizer que cresci em meio a homens e mulheres fortes, filhos de um homem forte, casado com uma mulher forte (ou, casado com a mulher bonita, como ele gostava de dizer). Há quem diga que devamos aceitar as limitações de nossos pais, que eles fazem por nós tudo o que podem fazer e nada mais. Eu vejo isso de uma forma diferente, acho que, de fato, ele me ensinou uma única lição: mantenha a sua palavra. Ele não pôde mais? Não vejo dessa forma, ele não precisou de mais. Bastou, era tudo o que eu precisava. Sou o homem que sempre quis ser, demorei, mas me tornei. Então, ele fez tudo o que precisava ser feito por mim (da parte dele), não precisei de mais nada, não faltou nada. Uma lição simples que marca a minha personalidade e faz parte de quem eu sou. E faz parte de tudo o que criei, porque nunca voltei atrás quando disse que criaria. Mas o tempo e a vida quiseram morder-lhe com força.  Não sei o que vieram cobrar e não tenho o direito de supor. Eu o vi ser derrubado com força. Eu o vi superar os maiores medos e pedir ajuda. Eu o vi ver a vida indo embora e sua preocupação era se cuidaríamos bem de nossa mãe. Eu o vi temer a morte como se ela fosse o seu mais feroz inimigo e, mesmo assim, dizer: venha, eu estou aqui. Ele preferiu batalhar a batalha que não poderia vencer ao invés de se assumir fraco. Eu faria exatamente a mesma coisa; acho que não nos parecemos só nas piadas. Você não perdeu a luta. A venceu por oitenta e três anos. Eu sou quem eu deveria ser. Meus irmãos estavam ao seu lado, com dedicação. Sua despedida estava cheia (e foram duas). Muitos se lembram do seu nome e se lembrarão por muito tempo. Se foram as cantigas, os balaios, as piadas... mas o que importa mesmo que é que tudo isso existiu. Agora é nosso turno, fica em paz e faça uma boa viagem. Como eu te disse poucas horas antes da sua partida: vai, pode ficar tranquilo, eu estou aqui... frase que te fez dormir. Agora durma o quanto precisar até acordar para a próxima vida. Quando acordar verá um mundo melhor; te dou a minha palavra.

Nem sei se isso é um poema ou uma crônica,

que se dane,

termino em versos, chamo de poema...

 

Boa viagem Jose Carlos de Oliveira (o Zito)... e obrigado por tudo.